Arqueologia retrocomputacional: o caso Q1.


Muito foi falado sobre essa descoberta, a ponto que vários sites não especializados (como Adrenaline, Hardware.com.br, Olhar Digital, Revista Galileu, Techtudo, NewAtlas) mencionaram esse acontecimento. Nós demoramos um pouco para escrever a respeito (entre outras coisas porque a vida, aquela bandida, nos esbofeteia e grita nos nossos ouvidos: Vai trabalhar!), mas resolvemos falar um pouco sobre o Q1 Computer e sobre a descoberta.


No princípio, era… A Intel.

Vamos lá… Em 1971, Federico Faggin, então na Intel, criou o primeiro microprocessador, o Intel 4004. Falamos dele alguns Repórter Retro atrás. Ele foi usado em calculadoras eletrônicas, e a Intel projetou mais alguns microprocessadores, entre eles o Intel 8008 (usado – a princípio – em terminais) e o Intel 8080, de uso geral. Este foi usado nos Altair 8800, tido até hoje como o primeiro microcomputador da história (algo que é contestado pelos franceses, com o Micral). Mas… E o que aconteceu entre 1971 e 1974?

Acontece que em dezembro de 1969, a Computer Terminal Corporation (CTC) encomendou à Intel o projeto de um microprocessador, destinado para usar no terminal inteligente DataPoint 2200. A Intel perdeu os prazos (nada muito diferente dos dias atuais) com o 8008, e a CTC lançou o DataPoint 2200, em 1971, com seu próprio processador, feito todo com TTLs (eita). O DataPoint 2200, apesar de ser comercializado como um terminal programável, na prática era um computador. Seria ele então o primeiro microcomputador?

Chega a Q1.

Mas a Q1 Corporation, uma empresa sediada em Nova York, EUA (e que acabou sendo comprada em 1974 pela Nixdorf Computer AG) lançou em 1973 o Q1 Computer. Este era um computador que ela mesmo projetou, fabricou e vendeu. Este micro usava o mesmo Intel 8008, que chegou tarde demais para o CTC. O primeiro Q1 foi vendido em dezembro de 1972, apenas 8 meses depois do lançamento do Intel 8008. O Q1 foi, portanto, o primeiro microcomputador verdadeiro, ou seja, o primeiro computador de mesa totalmente integrado com um microprocessador como CPU.

Q1 computer
Eu não sei quanto a vocês, mas eu acho esse computador muito bonito.

Versões posteriores do Q1 usariam o projeto posterior de Faggin, já na Zilog, o (nosso querido e amado e longevo) Zilog Z80. Mas o diferencial da linha Q1 permaneceria: construções de qualidade, um design industrial, uma razão de aspecto bem diferente, e uma tela de plasma alaranjada!

A documentação técnica sobre o Q1 é bem escassa. Aliás, tudo sobre o Q1 é bem pouco. Temos até agora um folheto de vendas posterior a 1974, um breve histórico, disponível no Old-Computers.com  e uma visão geral do sistema que foi preservada pelo Museu Technikum29, na Alemanha.

A descoberta.

A notícia que correu o mundo foi que dois Q1 foram encontrados em caixas de armazenamento na Universidade de Kingston, em Londres. Até então, muita gente desconhecia a existência do Q1. Recentemente, eles foram apresentados em uma exposição feita na universidade.

Curiosamente, o Q1 e o Q1 Lite poderiam ser ligados em rede, serem conectados a impressoras, HDs, funcionarem como terminais, processadores de texto e outros usos. Ele tem 16 Kb de memória, e o processador (Intel 8008) operava a 0,8 Mhz. Sem sombra de dúvida, são muito mais impressionantes e muito mais capazes do que os MITS Altair 8800 (e muito mais bonitos também).

As matérias erram ao dizer que foram encontrados, como se ninguém soubesse da existência deles: O Hackaday documentou a sua existência em novembro de 2022. O que não se sabia era que haviam dois exemplares dessa máquina estilosa e simpática em depósitos da Kingston University. Outro articulista (da Galileu) diz que foram os faxineiros que encontraram, mas não está claro em nenhum outro lugar que foi o povo da limpeza que encontrou os Q1 guardados. Mais uma botinada da nossa imprensa especializada (?!).

O levantamento.

Bernardo Kastrup, do site The Byte Attic (que você lembra por conta do Agon Light, um querido por nós aqui) colocou suas mãos em um exemplar do Q1, mais especificamente, em um Q1-Lite-IWS com número de série LW-379. E o que ele fez? Engenharia reversa, documentação, restauração (em preocesso) e no futuro, a doação dele ao Museu Holandês do Computador Doméstico (mais um lugar para visitar quando eu voltar à Holanda). Tudo está sendo colocado no github, de forma que possam ser consultadas posteriormente. Recentemente, os esquemas da placa-mãe do Q1 Lite já foram colocados por lá – e foi um material que foi fornecido por Karl-Wilhelm Wacker, que trabalhou no desenvolvimento do Q1 Lite. Abaixo tem um vídeo.

Se você quiser acompanhar o fascinante processo de arqueologia retrocomputacional feito pelo Bernardo Kastrup, visite esta página aqui de tempos em tempos. Já há muitas fotos, e novidades serão colocadas por lá conforme serão descobertas. Se você quiser mais informações a respeito de outros exemplares do Q1, seguem alguns links:

Logo, numa contagem rápida, devem existir oito unidades que não pertençam a msueus, mas estejam nas mãos de colecionadores privados. Quase que nem os últimos lobos da Tasmânia

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.