Sábado dos amigos: O Telegame.

Continuando o texto do nosso amigo Marcelo Sávio, agora falaremos do Telegame, esse um serviço que funcionava aqui no Brasil.

Telegame

Em 1982 a TELESP implantou o primeiro serviço de Videotexto no Brasil, ainda em caráter experimental, com 1.500 usuários voluntários e 300 serviços disponíveis (consulta a informações, correio eletrônico e acesso a computadores remotos) e depois entrou em operação comercial no final de 1984. A TELESP adaptou o sistema ANTIOPE da França mas, diferente do sistema francês que utilizava terminais especializados para acesso ao serviço, a Telesp introduziu o uso de microcomputadores, via modem, como terminais do seu Videotexto. O objetivo era atender a uma maior demanda de usuários através do uso dos microcomputadores que estavam começando a se disseminar no Brasil, especialmente os micros da linha Prológica (CP-300 e CP-500), Sysdata III, MSX (Expert e HotBit) e Apple II (vários fabricantes de clones nacionais). E os modems para esses micros também passaram ser produzidos e comercializados no Brasil.

Em 1982 a Embratel lançou em âmbito nacional o “Ciranda”, um projeto experimental de serviços on-line para usuários de microcomputadores equipados com modem e linha telefônica, inicialmente restrito a alguns funcionários da empresa. Em 1985 foi lançado para o público em geral como “Cirandão”, oficialmente definido como “um serviço de teleinformática, oferecido pela Embratel de forma complementar e integrada com os serviços de telecomunicações“.

Projeto Ciranda.
Projeto Ciranda.

Aqui entra em cena a empresa Embracom Eletrônica S.A., que havia sido fundada em 1972 na cidade de São Paulo (SP), e desde então fabricava aparelhos telefônicos e outros equipamentos de telecomunicação. Em 1985 a Embracom começou a produzir modems no padrão ITU-T V.23 (1200/75 bps), que era o requerido para acesso aos serviços de Videotexto e Cirandão no Brasil.

Aproveitando a capacidade que esses modems ofereciam para fazer download de software no Videotexto – funcionalidade que ficou conhecida como “Telesoftware” – a Embracom resolveu adaptar o sistema para fazer download de jogos para os consoles compatíveis com o Atari 2600, que também estavam se disseminando bastante no Brasil em meados dos Anos 1980.

Diferente da GameLine americana, a Embracom trabalhou com os modems padrão, os quais já produzia e vendia no mercado, e desenvolveu um cartucho especial que conectava o Atari 2600 com esse modem, que por sua vez conectava com os computadores do serviço de download de jogos que eles montaram. Esse cartucho, chamado de “Modelo 8000 EP” tem exatamente a mesma “carcaça” do cartucho Supercharger do Canal 3, que por sua vez copiou o Arcadia/StarPath Supercharger produzido nos EUA.

Importante ressaltar que a crise que assolou o mercado de videogames nos Estados Unidos em 1983 – e detonou a GameLine – não chegou por aqui. Aliás, muito pelo contrário, no Brasil esse ano representou um marco na chegada e disseminação dos consoles de segunda geração (Atari 2600, Intellivision e Odyssey2), que dominaram o cenário dos videogames até o final daquela década.

Em artigo publicado na Revista Telebrasil de Nov/Dez de 1985, o Sr. Jacques Glaz, presidente da Embracom, disse que o sistema iria entrar em operação no final daquele ano e iria oferecer mais de 500 jogos para download, incluindo os melhores títulos.

E aqui vem a segunda grande diferença para o sistema GameLine: No Brasil daquela época não havia nenhuma preocupação com direitos autorais dos fabricantes originais desses jogos. Cartuchos eram simplesmente clonados, às vezes modificados e lançados por várias empresas.  e seguiu assim até o fim da era do Atari 2600 no Brasil. Disponibilizá-los para download era só mais uma forma de distribuí-los sem pagar royalties aos produtores originais.

O serviço Telegame foi lançado no final de 1985 e entrou pra valer no início de 1986. Nos anúncios e artigos que apareceram na época, falava-se de novidades que incrementariam o sistema com serviços semelhante aos do Videotexto, ou seja: capacidade de apresentar telas informativas com notícias, cotações da bolsa de valores, horóscopo, programação de cinema, teatro e TV, entre outros.

O Telegame teve comercial na TV e até promoção no programa infantil “TV Criança” na Rede Bandeirantes, então apresentado por Cibele Colososchi.

Abaixo um vídeo no Youtube para o comercial de TV e mais um, de uma das aparições no programa TV Criança:

O cliente assinava o serviço, recebia um modem e um cartucho (Modelo 8000 EP) que encaixa no slot do Atari 2600 (ou compatível), além do catálogo de jogos e os manuais (do aparelho e dos jogos) e uma maleta para transporte. Ao ligar o aparelho, se conectava através do modem com a central Telegame e baixava os jogos, escolhidos em um catálogo inicial que continha 150 títulos.

Outra diferença para o serviço GameLine, era a necessidade de um processo manual antes de começar o download. Era preciso primeiro tirar o telefone do gancho e fazer uma ligação telefônica prévia para a central Telegame em São Paulo (11-852-0288) ou no Rio de Janeiro (21-285-3133), falar com um(a) atendente para informar o código do cliente e o número do jogo a ser baixado, consultando o catálogo. Após o(a) atendente informar que o jogo estava preparado para iniciar o download, era necessário apertar um botão para mudar o modem para modo de “Dados” e colocar o telefone no gancho. Depois que aparecesse a mensagem de download concluído, apertava-se novamente o botão para modo “Telefone” para a linha ficar desocupada para uso normal, com o jogo já armazenado no cartucho Telegame. Quando quisesse outro jogo, bastava o usuário desligar o Atari e a memória se apagava automaticamente, ficando livre para nova gravação após uma nova ligação.

Os usuários em dia com a mensalidade poderiam baixar quantos jogos quisessem por mês, ao custo de uma ligação telefônica de aproximadamente dois minutos para cada jogo baixado. Uma curiosidade desse processo estava no fato de que os atendentes não conversavam com os usuários, somente perguntavam-lhes os códigos e acionavam o download. Para reclamações, dúvidas e sugestões, os clientes deveriam usar outro número telefônico. Outra curiosidade é que no Rio de Janeiro as vendas eram feitas nas lojas da Ótica Brasil, no Centro.

O serviço teve aproximadamente dois mil assinantes, que pagavam uma mensalidade de Cr$ 180 mil, o que era considerado um valor alto – e era reajustável a cada seis meses. Isso somado ao fato de que possuir linha telefônica era algo complicado, demorado e caro para conseguir, tanto que as pessoas incluíam essas linhas telefônicas na lista de bens a ser colocada na declaração anual do Imposto de Renda! Sem contar que, provavelmente, havia um “limite geográfico” no interesse pelo serviço, uma vez que requeria ligações interurbanas – mais caras – para quem morasse fora do DDD do Rio de Janeiro ou São Paulo. Por fim, a proliferação das locadoras de cartuchos de videogames em inúmeras cidades do Brasil trouxe uma grande variedade de jogos, que poderiam ser alugados – principalmente nos finais de semana – a preços muitos convidativos e sem complicação tecnológica.

O fato é que o interesse pelo Telegame foi diminuindo, assim como o interesse nos serviços de Videotexto e Cirandão. O investimento que a Embracom fez nessas plataformas não deve ter dado o retorno esperado e no ano seguinte, em 1987, e empresa entrou em concordata.

E não posso afirmar mas talvez os adultos da família que costumavam reclamar que “o Atari estragava a televisão”, tenham passado a também reclamar que “o Telegame estragava o telefone, ou pelo menos a estragava a conta”. 😊

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.