Sexta dos amigos: A Gameline.

Nessa caminhada dentro desse fascinante universo da retrocomputação, fizemos muitos amigos. E alguns deles são fantásticos articulistas, que trazem conteúdos muito interessantes a serem compartilhados com todos. Já tivemos muito material aqui citado que foi inicialmente escavado pelo Eliazer Kosciuk (Klax),  o Paulo Garcia (do seminal Site Vintage Is The New Old) também redigiu por aqui… E também temos um material muito interessante que nos foi trazido por esse cidadão aí do lado, o Marcelo Sávio.

Como ele nos autorizou a trazer o material que ele tem publicado na rede social de Mark Zuckerberg para cá, começamos com um conteúdo muito interessante, relacionado à uma das paixões do Marcelo, que é o Atari 2600. Mas, como o material ficou muito grande, dividiremos em duas partes.

Segue o relato do Sávio:

Recentemente consegui dois itens interessantes para a coleção do Atari 2600, e sobre os quais somente tinha ouvido falar ou visto alguns vídeos na Internet. São cartuchos especiais, usados em serviços pioneiros para download de jogos via rede que funcionaram nos anos 1980.

Um dos cartuchos é do serviço GameLine, lançado pela CVC nos Estados Unidos em meados de 1983, e o outro é do serviço Telegame, lançado pela Embracom no Brasil no final de 1985.

Nota do editor: O texto é muito longo, mas vale muito a pena a leitura. Então, hoje temos o relato da GameLine, e amanhã teremos o relato da Telegame.

Hoje em dia o download de jogos é algo comum e corrente nas plataformas modernas, as quais, inclusive, oferecem cada vez menos disponibilidade de mídias físicas para os jogos. Mas nem sempre foi assim. Lá nos anos 1980, quando “tudo era só mato”, os serviços GameLine e TeleGame tentaram, cada um em seu país, desbravar esse “matagal” e criar um novo mercado, mas talvez estiveram muito à frente do seu tempo, e acabaram não conquistando mais do que dois ou três mil usuários e funcionaram por menos de um ano, até encerrarem suas operações, e por razões distintas em cada um dos países.

Ambos os cartuchos funcionam e quando acionados ainda buscam um sinal de linha telefônica para discar. Mas já não podem se conectar com mais nada, pois seus computadores servidores, aqueles que atenderiam às ligações dos consoles dos usuários para conectá-los com os respectivos serviços de download de jogos já deixaram de funcionar há muito tempo, e ainda naquela época.

O fato é que agora eu tenho esses dois cartuchos, inúteis e enormes, mas que representam a materialidade do que sobrou de um dos capítulos menos conhecidos da história dos videogames, e mais especificamente dos jogos para o Atari 2600.

Do GameLine eu tenho o cartucho, seus manuais, catálogo provisório, cartão de registro, carteirinhas de associado e caixa Master Pak. Do Telegame eu tenho só o cartucho e o modem. Pedi pro meu amigo Alessandro Rubens Lopes fazer uma caixa pra ele, que ficou show!

E quem quiser saber um pouco mais sobre as histórias desses dois cartuchos é só ler o textão que eu escrevi a seguir, ou esperar virar filme.

GAMELINE

Bill Meister em 1989.

Era uma vez um norte-americano chamado William Ferdinand von Meister (“Bill Meister”), que tinha esse nome pomposo porque era descendente de família nobre europeia – sua mãe era condessa austríaca e seu pai fora afilhado do Kaiser Wilhelm II (último Imperador alemão e Rei da Prússia). Bill Meister era um empreendedor nato, criou várias startups ao longo de sua vida. E, dentre as tantas que lançou por aí, vamos começar falando da Source Telecomputing Corporation – conhecida como “The Source”. Idealizada em 1978 e lançada no ano seguinte junto com um sócio investidor (Jack Taub). A The Source foi a primeira empresa de serviços on-line, voltados ao mercado doméstico dos usuários de computadores pessoais.

A The Source conectava esses computadores através das linhas telefônicas comuns, oferecendo serviços de: Troca de mensagens, notícias, horóscopo, guias de restaurantes, guias de compras, previsão do tempo, horários de voos e cotações da Bolsa de Valores. A empresa também canalizava informações para dentro de casa, também proporcionando a criação de fóruns, salas de bate-papo e áreas de compartilhamento de arquivos onde os usuários podiam postar seus próprios escritos para que outros pudessem baixar. No lançamento oficial do serviço, em julho de 1979, no Plaza Hotel em Manhattan (NY), o escritor de Sci-Fi Isaac Asimov foi contratado para ser garoto-propaganda, e proclamou: “Este é o início da Era da Informação!”.

A ideia era bastante inovadora e potencialmente atrativa para o então nascente mercado, porém montar uma startup de sucesso não é algo fácil hoje, e era muito menos naquela época. A The Source entrou rapidamente em dificuldades financeiras e acabou tendo 80% do seu controle vendido em 1980 para a Reader’s Digest Association (conhecida no Brasil como a “Revista Seleções”) numa operação que ocorreu contra a vontade do Bill Meister, que deixou a empresa logo em seguida. A The Source continuou em operação até 1989, quando foi adquirida pela rival CompuServe.

A saída do Bill Meister da The Source não marcou o fim de seus planos empreendedores para o futuro on-line do mundo. Em 1981, com indenização recebida pela saída da sociedade anterior (US$ 1 milhão), criou uma nova empresa, a DMC (Digital Music Company), com um novo plano de negócio visionário, o da Home Music Store, um serviço de download de músicas sob demanda.

Para viabilizar esse serviço, obteve a licença de uso de uma estação de transmissão por satélite perto de Salt Lake City, Utah, de onde enviaria músicas para operadoras de televisão a cabo de todo o país, que então a transmitiriam aos seus clientes. Ao pagarem uma taxa, esses clientes poderiam usar os gravadores de fita cassete – que eram bastante populares naquela época – para gravar as músicas baixadas e levá-las para os toca-fitas portáteis ou em seus carros, sem mais precisar comprar um LP inteiro para gravar apenas algumas músicas preferidas.

Bill Meister apresentou a ideia para a Warner Bros, que lhe prometeu apoio o suficiente para motivá-lo a seguir em frente e terminar de montar a infraestrutura do novo serviço, que já tinha data planejada para entrar em operação: No ano seguinte. Porém, quando a notícia dessa iniciativa vazou para a revista Billboard (Out/1981) junto com o rumor que a Warner Bros estava apoiando, as empresas do setor começaram uma forte campanha contra a Home Music Store, afirmando que isso iria arruinar a indústria fonográfica. As lojas físicas prometeram um boicote geral aos discos e fitas da Warner Bros se eles
continuassem com o plano. Tal como aconteceu com o Napster duas décadas depois, a indústria fonográfica se mostrou contrária à nova tecnologia, numa postura conservadora e reacionária.

A reação surtiu efeito e a Warner Bros desistiu de apoiar o novo negócio. No entanto, no último encontro que tiveram com Bill Meister, lhe ofereceram uma espécie de “prêmio de consolação”, em forma de uma sugestão: que o sistema recém montado para download de músicas fosse adaptado para fazer download de jogos para o console Atari 2600. A Warner Bros pertencia ao grupo Warner Communications, que era dono da Atari desde 1976, e provavelmente alguns executivos estiavam acompanhando o avanço do Intellivision, que contava com um serviço de download de jogos PlayCable, que havia sido recém lançado pela Mattel em parceria com a General Instruments para os usuários do console rival.

Bill Meister saiu da reunião indignado com o que considerou uma traição da Warner Bros, mas ao mesmo tempo entusiasmado com a nova oportunidade. Encerrou a DMC e montou a CVC (Control Video Corporation) no mesmo espaço e infraestrutura planejado para a Home Music Store, e com ajuda de pessoas como Mark Seriff, um dos pioneiros da ARPANET e que já havia trabalhado com ele desde os tempos da The Source, começou a refinar seu novo plano ao longo o ano de 1982. Culminou com a criação de um serviço que veio a ser conhecido como GameLine.

Para usar a GameLine os clientes teriam que adquirir um “cartuchão” chamado de “Master Module” (Módulo Mestre) que encaixava no slot de cartuchos do Atari 2600, e dentro do qual havia:

  1. Um modem com taxa de transmissão de dados variável (de 800 a 2000 bits por segundo, ou bauds);
  2. Um chip 8 KB de memória EPROM (reprogramável, para armazenar os jogos baixados);
  3. Um chip de 4 KB de memória ROM com o software da GameLine;
  4. Um terceiro chip de memória, com  2KB de memória CMOS, alimentado por uma bateria de 9v, que armazenava as informações dos usuários e suas pontuações nos jogos.

O Módulo Mestre custava US$ 60 – chegando a ter promoções por US$40 e US$45. Além desse custo, os clientes ainda tinham que pagar uma taxa de inscrição de US$ 15, válida por um ano, com a qual poderiam baixar jogos por US$ 1 cada. Os usuários pagavam com cartão de crédito, e havia ainda alguns jogos grátis (de demonstração) de duração limitada. O serviço também incluía concursos de pontuação nos jogos entre os assinantes e uma revista chamada GameLiner com novidades no catálogo, dicas e truques nos jogos e ranking dos melhores pontuadores que chegou a ter dois exemplares publicados e enviados (Set/83 e Out/83).

Quando o usuário ligava o console Atari 2600 com o Modulo Mestre encaixado no slot e pressionava a chave Game Reset, o software do cartucho acionava o modem interno e discava automaticamente (por pulsos e depois por tons) para um computador central da CVC. Após conectar-se, o usuário passava o código de identificação (PIN) e recebia uma lista de jogos disponíveis para escolher. Apenas um jogo por vez poderia permanecer na memória do Módulo Mestre, e poderia ser jogado de 8 a 12 vezes (dependendo do jogo), antes que fosse automaticamente apagado (ou sobrescrito pelo próximo jogo baixado). A maneira como isso funcionava era através da contagem do número de vezes em que era acionada a chave de Game Reset no console. Após o limite, o cartucho deixava de reconhecer o acionamento para inicializar o jogo.

Segue um video de uma sequência de conexão da GameLine:

Uma das parte mais engraçadas da publicidade da CVC era na sua FAQ (“Perguntas Mais Frequentes”). A pergunta era: “O que acontecerá se eu não entrar na GameLine?“, e a resposta: “provavelmente você será o único no seu bairro sem a GameLine. E seus amigos já estarão bombando nos novos jogos muito antes mesmo de você sequer ouvir falar deles. Será que você está mesmo disposto a correr esse risco?

A CVC tinha uma política de oferecer downloads gratuitos ilimitados de jogos no dia do aniversário do assinante, uma das várias estratégias de construção de fidelidade, junto com uma carteirinha de associado para “ostentar” junto aos amigos. E para aqueles pais preocupados em filhos se tornarem viciados, havia um controle parental, que permitia aos pais estabelecerem, no cartão de registro, um limite semanal de uso do cartão de crédito. Por exemplo, um limite de US$ 25 dava pra baixar 25 jogos por semana.

Mas, apesar da Warner Bros ter guiado o pensamento do Bill Meister na direção do download de jogos para o Atari, ela nunca mais quis voltar à mesa para conversar com ele. Isto acabou com qualquer esperança de tornar a GameLine um complemento oficial do Atari 2600. Em compensação, outros investidores embarcaram no projeto, afinal quase qualquer coisa relacionada com videogames era considerada uma oportunidade promissora naqueles primeiros anos dos anos 1980.

A GameLine fez sua primeira apresentação em janeiro de 1983, em grande estilo, em Las Vegas, onde ocorria no evento Consumer Electronics Show (CES) de inverno. Mas ao invés de ter um estande na feira, a CVC colocou um enorme balão de ar quente sobrevoando a cidade com o nome “GAMELINE” escrito em letras garrafais. Bill Meister aproveitou a presença de empresários, influenciadores, investidores e jornalistas na cidade e convidou vários para uma mega festa promocional em sua suíte presidencial no Hotel Tropicana, com direito a show de dançarinas e sorteio de prêmios caros. A CVC saiu de Las Vegas com uma imagem positiva e encomendas prévias da ordem de 150.000 Módulos Mestres de vários grandes varejistas. A todos eles, Bill Meister confirmou a expectativa de lançar o serviço até o meio de 1983, na época da CES de verão, que ocorreria em Chicago.

Steve Case, em 2009.
Steve Case, em 2009.

Bill Meister contratou como consultor de marketing um jovem chamado Steve Case, irmão de um dos investidores que ele conheceu na festa em Las Vegas e juntos começaram a promover a ideia de que a GameLine poderia entregar muito mais do que jogos nos lares americanos. O objetivo de longo prazo era o de transformar o console de videogame em uma central de informações e serviços multifuncionais, capaz de receber notícias, cotações de bolsa de valores, previsão do tempo, horóscopo, resultados de jogos esportivos e de prover serviços bancários e de correio eletrônico, entre outros.

Essas funcionalidades chegaram a constar no manual do usuário que acompanha o Modulo Mestre, mas ainda eram muito mais expectativas potenciais do que realidade. Até porque jogos de Atari têm tamanho pequeno (4 a 8 KB) e conseguiam ser baixados em um ou dois minutos, mas com outros tipos de dados provavelmente não seria assim. E também haveria que se resolver a maneira de se inserir textos em um console originalmente equipado apenas com um joystick: O usuário teria que selecionar as letras uma por uma em uma lista na tela para conseguir escrever uma mensagem ou palavra a ser buscada, o que não era nada prático.

Mas essas questões ficaram para depois e o foco passou a ser na disponibilização de um catálogo de jogos atrativos para os usuários. Ainda que Bill Meister tivesse conseguido fechar acordos com algumas produtoras de jogos, as principais empresas do setor, com exceção da Imagic, não aderiram ao projeto. A divisão de software da Atari adotou uma atitude meio que de “esperar para ver”, e a Activision rejeitou categoricamente ter qualquer coisa a ver com a GameLine. Talvez seja porque ela já vendesse muito bem seus cartuchos no mercado, do qual era considerada a melhor produtora, e provavelmente acreditava que a sua marca só poderia ser diminuída pela associação com o novo serviço.

Mas não dava para esperar por mais produtores de jogos. Em maio de 1983 o serviço GameLine estava totalmente pronto. Uma matéria extensa saiu na revista Electronic Games de Junho de 1983, ainda com a logomarca provisória (em azul) na qual se ofereceu uma promoção (desconto de US$24) para que os assinantes da revista que se tornassem os primeiros assinantes da GameLine. E no início de Junho a edição de verão da Consumer Electronics Show (CES), aconteceria na cidade de Chicago, e tal qual em Las Vegas do início do ano, um balão foi usado para promover o nome do novo serviço nos céus da cidade.

A GameLine estava lançada oficialmente para o grande público, ainda que com apenas 12 jogos disponíveis no catálogo – então chamado de temporário. Novos jogos foram aparecendo a cada mês, sempre anunciado nas edições da revista GameLiner, até chegarem a um total de 76 jogos disponíveis, registrados no catálogo oficial, o Master File (Arquivo Mestre). Este catálogo foi foi enviado posteriormente aos clientes, em substituição ao provisório. Ao todo a CVC conseguiu acordo com dez produtores de jogos: 20th Century Fox, Apollo, CommaVid, Data Age, Imagic, Spectravision, Telesys, Tigervision, US Games e Vidtec.

E aqui uma curiosidade: houve um jogo da 20th Centry Fox, chamado “Save the Whales” (“Salvem as Baleias”), que somente existiu no serviço GameLine e nunca teve versão em cartucho. Na verdade esse jogo deveria fazer parte de um trio de jogos ecológicos projetados por Steve Beck para arrecadar dinheiro para instituições não-governamentais que lutavam pela causa do meio-ambiente, como o Greenpeace. Os outros dois jogos da série seriam “Dutch Elm Defender” e “Attack of the Baby Seals”, mas não chegaram a sequer ser programados. Com o fim do serviço Gameline, o jogo “Save the Whales” desapareceu, até que em 2002 dois protótipos foram encontrados com Arnie Katz, co-fundador da revista Electronic Games.

Apesar de não ter conseguido nem 15% do total de jogos disponíveis para o Atari 2600 em seu catálogo, a CVC esperava que com o sucesso da GameLine, a lista seria cada vez maior e melhor. Mas o otimismo acabou ali mesmo quando estourou uma grande crise no mercado norte-americano de videogames, que ficou conhecida como o “crash dos videogames”. Quase da noite para o dia, os videogames deixaram de ser a tendência mais quente nos negócios e se tornaram uma “barca furada”. Investimentos cessaram, empresas quebraram, estoques encalharam. Vários dos produtores que haviam feito parceria com a CVC faliram em seguida. E os cartuchos que costumavam ser vendidos no mercado por US$ 30, US$ 40 passaram a custar um ou dois dólares, apenas. Ainda que existissem cerca de 15 milhões de consoles Atari 2600 nos lares americanos, praticamente ninguém iria mais querer contratar um serviço desses, ter que comprar um cartuchão com modem (proprietário) e usar a linha telefônica para alugar jogos com limites de uso, quando poderiam comprar cartuchos físicos pelo mesmo valor aproximado do aluguel.

A CVC não poderia ter escolhido um momento pior para o lançamento da GameLine. Poucos meses após o lançamento, não conseguiu atrair sequer 3000 assinantes, e as novas inscrições caíram para apenas uma ou duas por dia – o que não era suficiente para justificar a pesada e complicada infraestrutura de informática e telecomunicações na qual a CVC teve que investir apenas para iniciar o serviço. Em outubro de 1983, reduziram suas previsões iniciais de vendas de 250 mil Módulos Mestres para menos da metade até o final de 1983. E foi ficando cada vez mais difícil atingir esse e qualquer outro número, quando já haviam muito mais caixas encalhadas sendo devolvidas pelos varejistas do que sendo despachadas para eles. As receitas da GameLine ficaram 95% abaixo das previsões, então o conselho da CVC decidiu cortar custos e a maior parte dos funcionários perdeu o emprego.

Jim Kimsey.

Os investidores dos cerca de US$ 9 milhões na CVC estavam cada vez mais preocupados. Bill Meister lhes disse que precisava de mais US$ 3 milhões para executar a transição de fornecedor de videogames para provedor de serviços on-line de informações de uso geral, afinal a nascente “sociedade da informação” ainda era um mercado atrativo. Os investidores não discordaram dessa visão, mas decidiram impor algumas condições para uma nova injeção de capital. Uma delas foi empossar um novo CEO: Jim Kimsey, ex-militar e empresário que não sabia nada sobre tecnologia de computadores, mas sabia muito sobre como conduzir qualquer organização, fosse um pelotão ou uma empresa. Logo, ele era capaz de conduzir a empresa a um “combate disciplinado” para ter mais chances de sucesso, além de ser uma pessoa de total confiança dos investidores.

Bill Meister não ficou feliz com essa intrusão na sua autoridade, mas como precisava do dinheiro dos investidores, teve que engolir. Começava a mudança da CVC, de plataforma de jogos para a provedor de informação, uma espécie de volta ao que era a The Source. Em setembro de 1983, a StockLine já estava funcionando junto com a GameLine, permitindo aos assinantes acompanhar cotações na Bolsa de Valores de Nova York, nos mercados financeiros, e até mesmo armazenar um portfólio pessoal permanente de até dez ações. A CVC anunciou também que SportsLine chegaria em breve com todos os resultados mais recentes e as probabilidades atualizadas, e que a MailLine, com e-mail e um sistema de bate-papo em tempo real, viria em seguida.

Apesar da crise iminente, Bill Meister reiterava aos acionistas: “Não estamos em apuros, mas mudamos nossa ênfase. Sempre quisemos adicionar BankLine, SportsLine e StockLine à GameLine original, mas sempre havia a questão de saber se os adultos da família iriam querer acessar esse tipo de informação no console de jogos de seus filhos.” A partir dessa preocupação, a CVC planejou desenvolver um Módulo Mestre para computadores pessoais, que já estavam bastante difundidos nos lares americanos, bem mais do que na época do The Source. Mas fazer isso levaria tempo e dinheiro. O ano de 1984 começou com a CVC endividada em US$ 10 milhões. Em maio de 1984 a CVC retirou os últimos Módulos Mestres que ainda estavam à venda nas prateleiras das lojas do país.

Mas eis que o Bill Meister conseguiu um acordo provisório – e potencialmente salvador – com a Bell South, empresa provedora de serviços telefônicos. O novo plano com o novo sócio era o de reiniciar e renomear a GameLine como InterLink, que passaria a alugar, e não mas vender o Módulo Mestre, ainda para o Atari 2600, por US$ 10 ao mês – ou seja, um regime de comodato. A Bell South faria um novo aporte de capital de US$ 5 milhões que lhes permitiria começar a trabalhar no novo Módulo Mestre, para computadores pessoais. Um parceiro investidor forte era tudo o que a CVC precisava. A Bell South havia acabado de ser criada, mas na verdade carregava o DNA da gigante AT&T, uma vez que era uma das sete “Baby Bells”, as companhias originárias da decisão judicial que obrigou a divisão da AT&T em 1982. O financiamento inicial da Bell South manteve a CVC funcionando por quase mais um ano.

Tal como a GameLine, o novo serviço InterLink só seria acessível através de um hardware complementar (modem) proprietário da CVC. O foco inicial ainda seria nos jogos, só que agora seriam jogos para computadores pessoais que eram os sucessores naturais (e mais duradouros) dos consoles de videogame, mas a CVC planejava oferecer toda uma gama de aplicativos de software, permitindo que os usuários experimentassem softwares antes de comprá-los. O Interlink seria testado inicialmente em algumas cidades (Atlanta, Houston, Los Angeles e Washington, DC) e esperava-se que seria difundido por todo o país logo a partir do início de 1985, explorando ao máximo a rede telefônica da Bell South.

Até outubro de 1984, a InterLink ainda estava aparentemente no caminho certo, embora o plano de fabricar novos Módulos Mestres para os vários modelos de microcomputadores tivesse sido abandonado por ser impraticável: Já estava claro que estratégia de usar uma tecnologia de modem proprietária havia sido um erro; era basicamente um equipamento para downloads; era incapaz de conectar com modems de outros usuários ou provedores de serviços. Os modems que as pessoas estavam começando a comprar já eram de uso geral e podiam fazer muito bem as duas coisas (enviar e receber). O que se pensava ser o principal ativo da CVC – uma tecnologia de modem de baixo custo – se transformou num dos seus maiores passivos: Um sistema proprietário que poucos quiseram adotar, ainda mais considerando que o preço médio dos modems comuns já havia baixado bastante, principalmente devido à disseminação das BBS (Bulletin Board Systems) e dos serviços online como CompuServe, DELPHI, Genie, Prodigy, além, é claro, do The Source.

Decidiu-se que a partir de então o novo serviço InterLink deveria funcionar usando qualquer modem padrão de mercado, e que isso entraria em fase de testes no mercado ainda no final do mês de outubro de 1984, para ser lançado comercialmente no início de 1985.

Porém fatos alheios ao controle da CVC entraram em cena. A pedido de influentes representantes da imprensa, que estavam preocupados com a crescente era das informações online, o Congresso dos EUA promulgou uma lei que tornava ilegal que companhias telefônicas (como a Bell South) se tornassem “provedoras de informações”, e somente poderiam ser meros provedores de infraestrutura dos canais de transmissão de informação. Especula-se que alguns concorrentes da InterLink – como a CompuServe ou mesmo a The Source – tenham alertado a Comissão Federal de Comunicações (FCC) daquele país sobre os planos da BellSouth para a InterLink. E a FCC emitiu uma decisão judicial de que isso não deveria ser permitido prosseguir. A Bell South pulou fora. Afinal, ela estava começando como empresa – nascida de uma decisão judicial de divisão da AT&T – e não queria mais confusão nos seus negócios.

A CVC foi deixada de lado. Sem produto, sem planos viáveis para um produto, sem parceiros, sem clientes e praticamente sem dinheiro. Eles tinham apenas milhões em dívidas e milhares de Módulos Mestres inúteis para Atari 2600. Estima-se que ao longo da existência do serviço, cerca de 40 mil Módulos Mestres foram fabricados e enviados aos varejistas em caixas com seis unidades chamadas “Master Packs”. Mais de 37 mil Módulos Mestres foram devolvidos ou recolhidos. A CVC pensou em vendê-los para reciclagem, mas para até entregá-los aos centros de reciclagem, custaria mais do que receberiam pelo peso do material. A CVC simplesmente jogou-os todos (a maioria ainda acomodados em suas Master Packs) nas lixeiras da rua onde ficava a sua sede (8260 WestWood Center Drive, Vienna, VN) para serem levados junto com o lixo comum – e eles fizeram isso aos poucos.

Jim Kimsey (CEO) ainda estava determinado a tentar salvar a empresa, apoiado fortemente por Steve Case (Diretor de Marketing) e, à medida em que eles trabalhavam na criação de uma nova estratégia, foram deixando Bill Meister cada vez mais de lado. Ele estava mentalmente desgastado e sem apoio interno – quase toda sua equipe original já havia debandado – até que finalmente se desligou da CVC, ainda no primeiros dias de 1985. Veio a falecer em 1995, aos 53 anos. Nesse meio tempo, entretanto, nunca parou de empreender, criando outras startups que, como sempre, foram parar nas mãos de terceiros.

Marc Serif

Em 24 de maio de de 1985, a CVC de Jim Kimsey e Steve Case acabou fazendo um spin-off e uma nova empresa foi criada, a Quantum Computer Services. Assumiram o aluguel do escritório da CVC, aproveitaram alguma infraestrutura de tecnologia e contrataram umas dez pessoas que ainda restavam na equipe. Marc Serif, que havia sido parceiro de Bill Meister desde os tempos do The Source, ainda estava lá e permaneceu na nova empresa. A Quantum comprou da PlayNet um novo software, com acesso ao código fonte, e o modificaram para lançar o Q-Link, serviço online ofertado em parceria com a Commodore para os usuários dos seus microcomputadores Commodore 64/128.

O novo negócio deu certo. Eles ampliaram a estratégia de alianças (joint ventures) com outras empresas. Em 1988 fizeram parceria com Tandy Radio Shack e lançaram o PC-Link, para micros padrão IBM-PC. E mesmo sem parceria oficial homologada pela Apple, lançaram o serviço AppleLink para os usuários de micros Apple II e Macintosh. Trabalharam tambem com a empresa telefônica Pacific Bell num serviço chamado “California Online“. E no final de outubro de 1989, quando a Pacific Bell decidiu abandonar esse serviço, a Quantum pegou alguns dos conceitos ali desenvolvidos e os fundiu com o AppleLink e PC-Link, e criaram um novo serviço, que veio a ser lançado como America Online (AOL). A AOL se tornou uma gigante global no mercado de serviços online, chegando a adquirir a Time Warner em 2000 por US$ 180 bilhões. Em 2009 a AOL se separou da Warner, em 2015, a AOL foi vendida para a Verizon e finalmente vendida ao Yahoo! em 2021, onde ainda oferece serviços de e-mail para cerca de 1,5 milhão de usuários nos EUA.

No Brasil a AOL operou de 1999 a 2006. E acho que o que ficou mesmo foi a lembrança daqueles CD-ROMs com o software discador deles que vinham de brindes em inúmeras publicações da época.

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.