Commander X16, um sonho retro se tornando realidade.

Já mencionamos um tanto o Dave Murray por aqui, também conhecido como The 8-Bit Guy. Desde o Attack of the PETSCII Robots, passando pelo seu canal sobre teclados musicais e, é  claro, o maior de todos os canais de retrocomputação do YouTube (vamos fingir que esquecemos que ele é entusiasta de armas de fogo, certo?).

Mas ainda não falamos do computador dos sonhos dele, certo? Até agora.

I have a dream…

Em um vídeo, ele apresentou o seu sonho de um computador dos sonhos, uma máquina nova de 8 bits. O vídeo é este aí embaixo:

E tem mais um:

A ideia é que este computador evoque o mesmo afeto e nostalgia que muitos dos usuários tinham pelos micros de 8 bits, e ainda assim ele mantém a proximidade com o hardware do ponto de vista da programação. Ou seja, a intenção é que seja um micro de 8 bits, e não um Raspberry Pi travestido de micro clássico (entendeu, MSXVR?).

Outro problema que ele relaciona é a dificuldade de encontrar um micro de 8 bits para mexer hoje em dia, nomeadamente os custos cada vez mais elevados, os leilões de preços, a falta de peças de substituição e a falta de confiança em hardware com 30 anos… O que eu deixo para comentar mais abaixo.

Claro que, como muitos começaram nos micros clássicos a sua carreira na área de TI, pensar num propósito educacional é válido, e ele também levantou essa bandeira… E sobre isto, eu falo também aí embaixo.

A ideia é que este computador, doravante chamado Commander X16, seja feito inteiramente com peças que estão disponíveis hoje em dia, garantindo uma maior sobrevida ao hardware. O processador não será uma emulação em FPGA ou um Raspberry Pi emulando um processador (nada de PiStorm aqui, pelo visto).

O BASIC será o Commodore BASIC V2 (com algumas adições), e sua intenção é que ele seja suficientemente barato (grifo meu) para permitir que seja possível criar um ecossistema de usuários, hardware e software em torno dessa máquina.

O plano original é que haverá 3 gerações do Commander X16, de forma que todos os modelos executarão o mesmo software e terão suporte total para teclado, mouse e joypads.

Desmistificando o sonho.

Vamos comentar a respeito do projeto… Fogo à frente, vistam seus trajes antichama. A ideia é boa, mas como de boas intenções, o inferno está cheio, vamos continuar a analisar…

  1. Eu acho nobre a ideia de fazer um micro que não use uma emulação por software, como um Raspberry Pi, ou um FPGA. Mas aí ele esbarra no custo. Usar um Pi, um Tang Nano 20k ou um CPLD está aí justamente para minimizar custos. E aí, eu falo de custos não só financeiros, mas também de tempo e de trabalho. Como disse certa vez um projetista de hardware que já participou em alguns episódios conosco: “Depois que eu vi a facilidade que é fazer certas coisas com CPLD e/ou FPGA, eu não quero outra vida” (estou falando de cabeça, não lembro os detalhes, se ele ler, vai comentar).
  2. Colocar como uma plataforma educacional é uma boa desculpa para justificar a iniciativa. Tá certo que muitos de nós começaram nessas máquinas maravilhosas, mas a atual geração não tem interesse, salvo raras exceções. Temos aí uma geração que joga Roblox e Minecraft (e quando bloqueei o acesso desses jogos à rede da escola onde leciono, trouxe sobre mim o ódio de todo o primeiro ano do ensino médio), e há toda uma pletora de softwares educacionais, com o propósito de ensinar programação, do VisuAlg ao Scratch, do Code.org ao Thonny… E mesmo assim, os alunos onde leciono são muito fracos (pouparei vocês dos adjetivos depreciativos) em programação. Quanto mais em hardware, e mesmo a gente falando um monte a respeito do assunto. Logo, quero lembrar que um projeto desses será apenas uma mera curiosidade para a atual juventude, que já não quer mais saber de Among Us, um jogo “muito 2021″…
  3. O BASIC é o Commodore BASIC V2, com algumas adições… O que é outro problema. Como a máquina formadora deles é o Commodore 64 (exaltado por alguns, defenestrado por outros), era plausível pensar que seria esse o caminho. Mas gente, todo mundo sabe que Jack Tramiel era pão-duro a ponto de não pagar pelo upgrade do BASIC, evocando inclusive seu casamento! Para quem não sabe o contexto, pincei lá do C64 Wiki: “Bill Gates pediu inicialmente 3 dólares por cada BASIC vendida com uma máquina da Commodore. No entanto, Jack Tramiel recusou a oferta de Bill Gates afirmando: ‘Já sou casado‘.” Pausa pro riso, eu deixo. Continuando… O BASIC da Commodore é bem problemático, e já contamos no podcast a famosa história do PLOC, mas muitos não sabem. Bem, lá vai: Estou eu, João Cláudio Fidélis e Márcio Lima de Carvalho fudebando, e o João pega um programa em BASIC do Commodore, cheio de POKES, para emitir som. Ele se anima todo, digita todo o programa, com os POKES usando números decimais (nada de &H, gente). Salva no 1541 (um parto), executa e… O que a gente ouve é um PLOC. Somente isso, um PLOC. Podem rir de novo, eu deixo. Mas, voltando ao BASIC… É duro para um MSXzeiro admitir, mas o melhor BASIC para micros de 8 bits não é do MSX, mas sim o do BBC-Micro, tanto que embarcaram ele no Agon Light. O BASIC do MSX deve ser o segundo melhor. E o da Commodore é… Muito ruim, falando isso de uma forma simpática. É o BASIC do PET cheio de gambiarras, só pra não pagar upgrade! As extensões para o Commodore BASIC do C128 são um pouco melhores, mas mesmo assim… Eles fizeram uma escolha baseada no contexto deles.
  4. Ele alega que está difícil conseguir peças para micros clássicos. Bem, eu montei um Omega MSX com quase todas as peças novas. A exceção é o VDP, que é da época – mas se eu resolver usar um Tang Nano 20k (quero falar sobre isso no futuro), nem isso seria um problema. Mas aí, é a realidade dos usuários de Commodore 64, com chips custom pra tudo que é lado. Se bem que as “caixas de pão” venderam mais de 22 milhões de unidades no mundo, e o Adrian Black vez por outra faz mutirão de conserto de C64… Então, eu não sei se essa justificativa pode ser aceita.
  5. E o principal problema se chama preço. É o que eu falo em sala de aula: O principal balizador é o preço, não adianta projetar o melhor hardware possível, se ninguém comprar. E aí, vem muitas vezes aquele papo de que “no meu tempo era melhor” (essa conversa mole vem desde os tempos de Platão), mas sabemos que retrocomputação não é o nosso principal gasto no dia a dia, pelo contrário. E se você está deixando as despesas do dia a dia de lado para gastar com micros e videogames clássicos… Já sabe.

E as três gerações?

  • Geração 1: Esta é a Edição de Desenvolvimento, com 4 slots de expansão,  com flexibilidade para desenvolver hardware e software. Ainda falta uma placa de rede, mas estão fazendo.
  • Geração 2: A Edição Console: Será um computador que é um console (história antiga), menor e menos caro (mais barato é impossível), mas continua a ser um Commander X16 completo.
  • Geração 3: O modelo “Elite” será semelhante em tamanho a um Rasbperry Pi, e será menos caro, tudo integrado, para ser vendido a escolas e faculdades para programas de desenvolvimento.

Em resumo, eu já vi essa megalomania antes. O curioso é que o Geração 3 parece uma contradição com o propósito original, da Geração 1. E o Geração 2… Está perdido no meio do rolê.

Resultado.

Ainda assim, muita gente se empolgou com o projeto, entre outras coisas porque seria montado nos EUA. Em tempos onde tudo vem da China e onde o nacionalismo é mais forte (no Brasil o nosso complexo de vira-lata nos atrapalha em termos orgulho de sermos brasileiros), muita gente se empolgou. Seguem alguns vídeos aí embaixo:

Adriano Preto, aka Adrian Black.

TexElec.

Perifractic aka Retro Recipes.

E o próprio Dave Murray, claro.

A máquina em si.

A placa-mãe saiu da linha de produção, e o The 8-Bit Guy esteve lá para pegar a primeira placa, e disse que “A sensação era de como pegar um filho no colo“. Já viram a foto da placa montada num gabinete? Tá aí embaixo, se você clicar na foto, pode ampliá-la:

O gabinete ficou bacana, mas eu já não tenho mais tanto apreço por tampas transparentes… Bem, que seja.

Que tal só a foto da placa e teclado? Se quiser ver com mais detalhes, clica na foto.

Ficou bacana, ficou bonito… Mas o problema é o preço final. 500 dólares. QUINHENTOS DÓLARES. Sim, ficou BEM caro, inclusive para os estadunidenses.

Conclusão

Bem, pra mim, o Commander X16 é muito legal, mas se o objetivo é fazer um micro que seja economicamente acessível, o Agon Light atingiu com louvores. Claro que ele tem um processador compatível com Z80, e não um compatível do 6502, tem várias diferenças… Mas o custo torna a piada abaixo possível.

Se o preço cair… Quem sabe?

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.

2 pensou em “Commander X16, um sonho retro se tornando realidade.

  1. Acompanho o 8bit Guy e o Commander X16 há um tempo, até usando o emulador para bricar um pouco (https://www.commanderx16.com/webemu/x16emu.html). Claro que estava super empolgado com a ideia e já pensando “vou ser um early adopter”. Aí o preço da 1ª geração foi anunciado e … Melhor “investir” no conserto dos teclados do ZX Spectrum + e do Acorn Electron e juntar uma grana para pegar um Commodore 64 (aí completarei a fase 1 dos planos de dominar o mun… colecionar micros 8 bits – MSX/Acorn Electron/ ZX Spectrum/C64).

  2. Eu acompanho esse projeto desde que surgiu como uma idéia, do computador dos sonhos, no canal do 8-Bit guy.
    É interessante ver como o projeto tomou forma até o ponto onde está hoje, muito embora tenha crescido tanto em recursos que em alguns momentos cheguei a pensar que pudesse ser abandonado.
    Tenho a impressão de que se o David Murray pudesse pegar uma máquina do tempo ele começaria com uma máquina mais simples mas com várias possibilidades de ser expandida, de preferência com placas feitas pela comunidade de usuários, como aconteceu com o Apple II. Seria o Commander A-1, rsrsrs.

    Se me perguntassem, meu computador dos sonhos seria um video-game com um cartucho com BIOS e RAM e adaptador de teclado e com capacidade de salvar e carregar jogos e programas. Embora não seja um conceito novo(*), seria uma maneira de reduzir custos dramaticamente, sem contar que alguns consoles como o SNES venderam tanto que são mais fáceis de se achar hoje em dia do que vários chips clássicos como o 6502 e as VIAs.

    (*) O Atari 2600 possuia dois fabricantes de adaptadores que o transformavam numa máquina programável em Basic, ainda que extremamente rudimentar.

    Também houveram os computadores educacionais, baseados em NES. Alguns deles viram a luz do dia aqui no Brasil como o Magick Computer. Fica aí a dica para um episódio, porque segundo esse vídeo aqui esses são os micros Retro mais famosos na china.
    https://www.youtube.com/watch?v=wUrdgmUpvDQ

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