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Spacewar! (1962) — O Melhor Desperdício de Tempo da História do Universo (Parte 2 de 4)

(Este post é uma tradução de um dos capítulos-bônus online do livro Vintage Games, publicado com permissão do autor. Original em inglês aqui.)

⇐ Parte 1

Os criadores de Spacewar! eram alunos e professores do MIT, que nos anos 60 investiu pesadamente em engenharia e ciência da computação. Os computadores da época eram monstros do tamanho de salas, mas o MIT tinha adquirido um PDP-1, uma máquina muito menor e mais leve (mas ainda assim do tamanho de três geladeiras grandes).

O MIT também teve o bom senso de encomendar displays de vídeo e teclados para os computadores. Àquela altura, a maioria dos computadores se limitava a leitores de cartões perfurados para entrada e impressoras para saída; obviamente uma configuração dessas torna impossível qualquer jogo de ação.

A DEC, fabricante do PDP-1, tinha uma filosofia muito diferente da IBM, a líder inquestionável do mercado. A visão da IBM para a indústria da computação era que usuários individuais (ou “clientes”) não tinham que chegar perto da máquina; eles levariam cartões, programas ou tarefas para operadores designados (chamados sarcasticamente de “sacerdotes”), que seriam os únicos a interagir fisicamente com o computador.

A idéia era que uma empresa ou universidade contrataria os serviços de computação da IBM, cujos funcionários executariam as tarefas do dia-a-dia no computador. Esse modelo fez bastante sentido para os primeiros computadores, já que apenas profissionais altamente treinados eram capazes de operá-los e mantê-los.

A DEC pensava diferente: usuários individuais deveriam poder usar e programar seus computadores eles mesmos. A filosofia da IBM pode ser comparada a um sistema de trens de passageiros; qualquer um pode viajar, mas ninguém senão os profissionais podem operar a locomotiva, muito menos determinar rotas. A DEC estava mais interessada em vender “automóveis”; quando você compra um, pode ir aonde quiser e fazer o que quiser com ele. Essa abordagem eventualmente resultaria no hardware e software “amigável” que temos hoje em dia.

Os nerds do Clube de Ferromodelismo do MIT adotaram rapidamente o PDP-1, passando a maior parte dos dias estudando-o e fazendo programas (ou hacks, um dos muitos neologismos que eles criaram para descrever suas atividades). A maioria desses programas eram truques inteligentes de matemática ou geometria, mas Steve “Slug” Russell — tido como relaxado — resolveu superar seus amigos projetando um jogo de ficção científica totalmente interativo.

O projeto de Russell parecia ambicioso demais, mas os membros do Clube de Ferromodelismo não eram do tipo que se intimida com desafios. Seus amigos o encorajavam e o ajudavam a não perder o foco o quanto podiam. Ao contrário do mundo do desenvolvimento de software moderno, competitivo e cheio de segredos, Russell trabalhava num ambiente que hoje chamaríamos de open source: o código era livremente compartilhado e implementado sem medo de violações de direito autoral ou patentes.

Um desses aperfeiçoamentos foi o hack “Planetário Caro” de Pete Sampson, que aplicava um fundo de estrelas astronomicamente correto como visto da Terra, em vez do fundo aleatório original. Tal qual os projetos open source modernos, Spacewar! era rotineiramente hackeado e modificado à medida que indivíduos ou grupos decidiam adicionar novas funcionalidades.

Quando foi finalmente completado, Spacewar! era um feito impressionante. Dois jogadores controlavam cada um uma nave espacial, orbitando uma estrela de poderosa força gravitacional. O objetivo do jogo é destruir a nave do adversário com um disparo de míssil, com cuidado para não ser sugado pelo campo gravitacional da estrela.

O jogador também pode entrar no hiperespaço e emergir em um ponto aleatório do campo de jogo. Este comando aparece muitos anos depois no Defender, que tem similaridades com outras opções de controle do Spacewar!. Os controles consistiam em quatro chaves, mas esse arranjo desconfortável foi logo substituído por caixas customizadas que lembravam gamepads modernos, ou joysticks.

Sem dúvida, Spacewar! poderia fazer sucesso com muitas pessoas além das mentes brilhantes do MIT, mas os requisitos de hardware limitavam muito sua disponibilidade. Só estudantes universitários, provavelmente de engenharia, tinham uma chance razoável de ver e jogar esses videogames pioneiros. Mas mesmo assim o desenvolvimento de conversões e modificações continuou ao longo dos anos 70. Podemos mencionar Orbitwar (1974) de Silas Warner [2], que permitia aos jogadores disputar partidas em rede no sistema educacional para mainframes PLATO.

No início dos anos 70, a indústria dos fliperamas se limitava ao pinball e outros jogos eletromecânicos. Consoles e computadores domésticos não decolariam até o fim da década. Bushnell, o homem que mais tarde fundaria a Atari, era um engenheiro eletricista que tinha jogado Spacewar! na Universidade de Utah durante seus estudos de Ciência da Computação, até se formar em 1968.

Nos períodos de férias, Bushnell também trabalhou no parque de diversões Lagoon em Salt Lake City. Como todos os parques de diversões de qualquer época, o Lagoon oferecia uma vasta gama de jogos de desafio que o visitante tinha que pagar para jogar. Não demorou muito para Bushnell somar A com B e começar a imaginar maneiras de trazer a mágica geek do Spacewar! para as massas (e fazer um caminhão de dinheiro no processo).

Bushnell e seu amigo Ted Dabney começaram a trabalhar numa versão de Spacewar! barata e operada por moedas. Como não havia microprocessadores disponíveis ao público, eles tiveram que usar circuitos integrados TTL, mais volumosos. Construíram um gabinete futurista em fibra de vidro, e usaram um televisor GE preto-e-branco de 15 polegadas como display. [3]

Apesar do jogo propriamente dito não ser muito divertido, o gabinete tinha uma aparência tão exótica que o diretor de cinema Richard Fleischer usou-o nos cenários de seu filme Soylent Green (N. do T.: título brasileiro No Mundo de 2020). A dupla Bushnell-Dabney adotou o nome Syzygy e, enquanto procuravam um fabricante para Computer Space, trabalharam longas horas consertando máquinas de pinball para sobreviver. Finalmente fecharam negócio com a Nutting Associates, um fabricante de máquinas eletromecânicas de fliperama.

Computer Space, lançado em novembro de 1971, estava longe de ser um clone exato de Spacewar!. Por exemplo, não havia combate entre dois jogadores nem poços gravitacionais. Um único jogador controlava uma nave no espaço aberto, desviando-se do fogo inimigo e tentando destruir dois discos voadores controlados pelo computador.

O jogo era difícil de controlar. Apesar de ter sido construída uma versão para dois jogadores e com controles melhores, numa tiragem estimada de 1500 cópias [4], Computer Space não teve o apelo de massa que Bushnell esperava. Diz a lenda que ele resolveu que um jogo mais simples teria mais chance de sucesso, e dessa decisão ele partiu para desenvolver o Pong. No entanto, talvez as vendas decepcionantes de Computer Space se devam mais às falhas de jogabilidade que à ignorância ou incompetência dos jogadores.

Cinematronics Space WarsSpace Wars, da Cinematronics

[2] Para mais sobre Silas Warner, veja o capítulo 2 de Vintage Games.

[3] http://web.archive.org/web/20090130053055/http://www.marvin3m.com/arcade/cspace.htm

[4] Veja http://www.klov.com/game_detail.php?game_id=7381 para mais informações sobre as diferentes versões.

Parte 3 ⇒

Spacewar! (1962) — O Melhor Desperdício de Tempo da História do Universo (Parte 1 de 4)

(Este post é uma tradução de um dos capítulos-bônus online do livro Vintage Games, publicado com permissão do autor. Original em inglês aqui.)

Se você tem algum interesse, por menor que seja, na história dos videogames — o que, suponho, se aplica a todos os leitores deste site — certamente já se perguntou como era o primeiro videogame. Afinal, qual foi o primeiro videogame a dar o ar da sua graça numa tela?

Há muito tempo essa pergunta incomoda aqueles de nós que se propõem a escrever, com fidelidade no mínimo razoável, a história desse meio. Muitos jogadores (e até alguns escritores) pensam que essa honra pertence a Pong, que apresentou o conceito de videogames às massas nos anos 70.

Mas Pong não foi sequer o primeiro videogame comercial em fliperamas: antes dele veio Computer Space, desenvolvido por Nolan Bushnell e Ted Dabney para a Nutting Associates em 1971 [1] e que foi um desastre comercial. Como veremos, Computer Space foi ele próprio baseado num videogame muito anterior chamado Spacewar!, que foi apresentado em forma jogável em fevereiro de 1962. Mesmo Spacewar! teve antecessores: dois jogos mencionados com frequência são OXO, de 1952, e Tennis for Two, de 1958.

Spacewar-01Código original de Spacewar! rodando em um emulador de PDP-1 em um navegador Web. Esta é a posição inicial dos jogadores.

A resposta resumida para a pergunta “quem veio primeiro” é “não sabemos… ainda.” O problema é que só conhecemos os jogos que tiveram sucesso suficiente para serem lembrados por quem os criou ou jogou, e pelo menos algumas dessas pessoas devem estar dispostas a contar suas histórias (com alguma evidência corroborativa). Quem sabe quantos jogos pioneiros foram simplesmente esquecidos?

Os exemplos citados já refutam a afirmação de que Spacewar! foi o primeiro, e é bem possível que, à medida que mais e mais pessoas se interessam pelo assunto, desenterraremos jogos ainda mais antigos e obscuros. Para resumir, não há época melhor do que esta para ser um historiador dos videogames.

Spacewar!, mesmo não tendo sido o primeiro, foi com certeza um dos primeiros que fizeram diferença. Foi Spacewar! que estabeleceu muitas das convenções que nos seguem até os dias de hoje. Sua influência nos desenvolvedores que vieram depois — inclusive os não tão bem sucedidos — foi palpável.

Apesar do fracasso de Computer Space, a Atari teve um sucesso estrondoso posteriormente com Asteroids (1979), que oferecia conceitos de jogo similares em um formato mais amigável ao usuário. Também é fácil ver as influências de Spacewar! em outros videogames populares da época, como Lunar Lander (1979) e Gravitar (1982), ambos da Atari. E, com um pouquinho de boa vontade, até mesmo simulações de pinball em videogames.

Spacewar! introduziu a ação em tempo real, um arsenal de armas, movimentos especiais, condições de jogo variáveis, física, e um mundo virtual. Ele demonstrou que computadores eram muito mais que calculadoras caras: eram (pelo menos para muitos de nós) o futuro do entretenimento.

Já que os primórdios da história dos computadores e o desenvolvimento de Spacewar! foram descritos no capítulo do Pong, vamos fazer um rápido resumo antes de entrar nos detalhes do jogo em si. A história da criação de Spacewar! foi contada muitas vezes, e com certeza temos que mencionar o livro Hackers: Heroes of the Computer Revolution de Stephen Levy para uma visão aprofundada não só do desenvolvimento do jogo mas da subcultura única que tornou tudo isso possível.

Para deixar as coisas claras: os criadores de Spacewar! eram os nerds que filmes como A Vingança dos Nerds (1984) retrataram com tanto humor — perenemente fascinados por ficção científica, robôs, engenhocas eletrônicas e, claro, computadores.

Spacewar-02Uma batalha em andamento.

[1] De acordo com alguns, Computer Space não foi o primeiro videogame operado a moedas/fichas; a honra caberia a Galaxy Game, de Bill Pitt e Hugh Tuck, mais um inspirado em Spacewar! e lançado alguns meses antes de Computer Space. No entanto, Galaxy Game não foi produzido em massa, principalmente pelo fato de que ele rodava num PDP-11/20 da Digital — uma unidade custava 20.000 dólares!

Parte 2 ⇒

Se ainda funciona, deixa quieto!

O pessoal da PC World produziu uma matéria bastante interessante sobre sistemas que poderiam ser considerados antigos e para lá de obsoletos mas que permanecem em pleno uso nos dias de hoje. O título “If It Ain’t Broke, Don’t Fix It: Ancient Computers in Use Today” que poderia ser traduzido livremente como: “Se ainda funciona, deixa quieto : Computadores antigos utilizados hoje”. E boa leitura!

Atenção especial para a Sparkler Filters que faz sua contabilidade na base do cartão perfurado usando um bom e velhoclássico IBM 402 e para a excursão da IBM indo lá ver o bicho de perto.

GET LAMP, o documentário

Antes do atirador em primeira pessoa, houve o pensador em segunda pessoa… É assim que você é apresentado ao “GET LAMP“, o documentário sobre os text adventures, dirigido pelo arquivista e historiador da computação Jason Scott. Aliás, este é o segundo documentário dele no tema: O primeiro foi “BBS: The Documentary” (dividido em 8 episódios e cobrindo cerca de 25 anos de histórias sobre as bulletin board systems, as BBS).

Text Adventures?

As Text Adventures, ou IF (Interactive Fiction) como hoje são conhecidas, são um gênero de jogo eletrônico em que toda a interação com o usuário faz-se a partir de sentenças de texto, tanto a descrição do que está ocorrendo como a ação que o jogador deverá tomar. Para exemplificar melhor, o trecho de um jogo do gênero para Apple II chamada Leadlight:

> IN THE LINVILLE STUDENT LIBRARY
It is night. You are in the Linville
student library. The hum of idle
computers and photocopiers permeates the
ordered maze of books. The stacks are to
the south, the toilet is to the west and
the foyer is to the east.
You see the corpse of Charlotte.
You see a library desk.
You see an iPod
WHAT NOW?_

Como assim iPod? Acho que esqueci de dizer que Leadlight é de 2011

Em uma época em que a capacidade gráfica, sonora e de processamento dos primeiros computadores pessoais era bastante limitada eles tornaram-se o principal gênero de jogos consumidos por seus usuários.

GET LAMP

Ele é composto por dois DVDs, o primeiro contendo o documentário propriamente dito e o outro com os trechos não incluídos das entrevistas (por exemplo as partes contendo spoilers sobre um ou outro jogo – há inclusive o imperdível “o spoiler para todos os jogos já criados!“) e uma série de outros arquivos. E por outros arquivos entenda: as músicas utilizadas no documentário, as fotografias, a arte da embalagem, versões digitalizadas de propagandas, os jogos (sim!) e muito mais – aliás, confesso que ainda não consegui analisar todo o conteúdo do segundo disco.

Ao colocar o primeiro DVD no aparelho você descobre que junto com o GET LAMP (disponível para ser reproduzido nas versões “interativa” e “não interativa”) estão ainda dois mini documentários: O primeiro é uma visita guiada realizada pelo Jason Scott na caverna Mammoth, localizada no estado do Kentucky/EUA, que é o maior sistema de cavernas do mundo e a inspiração para criação do primeiro text adventure. O segundo é sobre a INFOCOM, a mais bem sucedida empresa do ramo e a criadora da série Zork.

Com relação ao documentário, prepare-se para muita história: Você será apresentado aos mais diversos personagens, como exploradores de cavernas, professores, acadêmicos, colecionadores, desenvolvedores e, claro, jogadores (de longa data) deste gênero de jogos (e de outros também). A narrativa começa com o surgimento do gênero nos anos 1970, sua ascensão e eventual declínio comercial no final da década de 1980. Depois, ele trata do legado, estilo, forma de concepção, seu uso como ferramenta educacional e até mesmo de inclusão (qual jogo pode ser jogado por um cego?). Finalmente, ele encerra-se com o ressurgimento e redescoberta, com a popularização da Internet a partir da década de 1990. No final, os entrevistados respondem sobre o futuro das IF.

O documentário está disponibilizado sobre a Creative Commons-Attribution-Sharealike-NonCommercial, ou seja, ele é de livre distribuição. Porém se você quiser adquiri-lo, ele custa US$ 40,00 + US$ 9,00 (frete internacional) e pode ser comprado diretamente em http://www.getlamp.com (aceita-se PayPal).

Confesso que realmente vale a pena, tanto pelo conteúdo, como pelo acabamento de todo o material e até mesmo pela moedinha de colecionador incluída no pacote! E para terminar, claro, o trailer do documentário:

É pura retrocomputação!

Nota: Jason Scott está com dois outros projetos na cabeça, e busca financiamento para executá-los. Que tal você também ajudá-lo?