Quinta do pitaco: As viagens na maionese – parte 1

Há alguns anos, eu enunciei um teorema, que diz que o ser humano tem a incrível capacidade de ter ideias para os outros fazerem. Este é um fato, ainda mais visto em comunidades retro. Antigamente a conversa era nas listas de discussão (está aí o histórico da MSXBR-L que não me deixa mentir), hoje passou para os grupos de WhatsApp e comunidades do Facebook. A ideia desse texto é falar sobre exemplos, histórias, inviabilidade, e propor alguns caminhos.

Prepare-se: Ficou grande, pesado e azedo.

Antes de tudo, pode ser que eu acabe citando algumas passagens que você, leitor, tenha algum envolvimento. Pode ser que eu esteja te citando como o autor desvairado daquela ideia de jerico. Bem… Primeiro fique tranquilo, que eu não citarei seu nome. Em segundo, foi mal aê, quem mandou panfletar ideia doida?

Mas as pessoas continuam tendo ideias mirabolantes, malucas, inviáveis na sua maioria… Mas não dão um centavo ou uma gota de suor para que aquela ideia seja executada. Pior, muitos defendem sua ideia com unhas e dentes… Mesmo sem pensar se ela é realmente viável ou não. Egoísmo aí fala alto.

O texto ficou tão grande que eu decidi dividir em mais de uma parte. Mas agora, deixa eu mostrar alguns exemplos…

A Tecnobytes

Acho que todo mundo aqui conhece a Tecnobytes. Além de produzirem hardware de qualidade, eles são nossos amigos pessoais, e no meu caso, um dos integrantes da Tecnobytes é quase meu vizinho. Além da fraternidade MSXzeira, somos bons amigos. Claro que temos sempre que manter separada a amizade da nossa função enquanto imprensa (e gostem ou não, somos um órgão de imprensa), então vez por outra eu já falei pela Tecnobytes no fórum da MSX.org, mas aí eu falei como eu mesmo, não como parte da equipe que vocês conhecem.

Mas algumas informações eu acabo sabendo a respeito deles. Algumas vem mesmo antes de irem a público. Outras eu participei ao preparar o material de divulgação, já que me deram exclusiva. Teve outras ideias que eu opinei a respeito.

Muitas das informações eu não divulgo, por uma questão de ética: Foram me passadas em bate-papos informais, e eu estava lá como amigo, não como imprensa. E temos que buscar a informação, a notícia primeiro, acima dos interesses pessoais. Logo, só divulguei o que me foi autorizado. Mas antes que você se empolgue, não tenho mais informações além do que vocês já sabem. Eles me falam pouco, e nem fico perguntando. Não seria ético da minha parte.

Papo de loki: Powergraph + Shockwave no mesmo cartucho

Pois então, certa vez, na MSXBR-L, veio a conversa de que a Tecnobytes deveria fazer um único cartucho, combinando a Powergraph (V9990) e a Shockwave (OPL4). Parei, pensei na proposta e resolvi pontuar alguns problemas que eu vi.

  1. O cartucho vai ficar imenso. Já viu o tamanho de uma Powergraph e de uma Shockwave? Imagine um cartucho com o dobro do tamanho.
  2. Falando ainda em tamanho, teria que se reprojetar TUDO para caber numa caixa de cartucho, daquelas grandes. E nisso há um custo.
  3. Ah, reprojeta não, mete tudo lá dentro e faz um cartucho maior ainda“. Ok, você tem um molde em plástico para injetar um cartucho desse tamanhão?
  4. Mas manda só a placa pelada, que nem o Padial“. Nem a pau, Juvenal (com licença aos eventuais Juvenais na lista).
  5. E o custo? Já tem gente chorando pra pagar o preço de uma Powergraph, imagina de uma Powergraph + Shockwave.
E vão os meus acréscimos de hoje, após ter escrito isso tudo em abril de 2017:
  • Sobre o 1 e o 3, a Tecnobytes reduziu a Powergraph, lançando a Powergraph Light, entre outras coisas porque eles não tem mais caixas de cartucho grande. Acabaram as caixas grandes. Ninguém tem o molde, fazer um molde em metal para injetar é caro demais, imprimir em impressora 3D é muito lento e caro, e as caixas Patola são ainda possíveis de serem adquiridas novas. Eles redesenharam toda a placa para caber num cartucho pequeno, e tiveram que tirar as saídas S-Video e RCA. Imagine que se eles fizerem a Shockwave Light (e eu acho que eles farão), o que terá que ser sacrificado?
  • Sobre o 4, vocês acham mesmo que a Tecnobytes, preocupada com qualidade, iria mandar uma placa pelada? Nem fudendo. Se eles sempre prezam pela qualidade (e até onde vemos, isto é um fato), iriam mandar uma placa desprotegida, imensa, que puxa uma energia daquelas e sujeita a problemas de sujeira, poeira e mal contatos? No way, dudez.
  • Sobre o 5, houve gente reclamando do preço. E não eram brasileiros reclamando, eram europeus. Mimimi generalizado, tá caro demais, etc e tal. Parece piada, para os brasileiros que acham que europeu nada em dinheiro, mas… Sim, a reclamação partiu fortemente de lá. Uma das reclamações é do frete, mas eles comparam com países que estão lado a lado (aí é barato mesmo). Do Brasil pra lá, é um frete que atravessa o Oceano Atlântico. E frete internacional, em qualquer lugar do mundo, é caro: Mandei uma carta registrada pro Chile outro dia, e o custo foi de R$ 25.

Eu tive uma ideia… Mas ela é viável?

Posso me orgulhar (se é que isto é orgulho para alguém) que eu dei algumas ideias que foram interessantes para a Tecnobytes. Vamos a elas:

  • Quando a Tecnobytes anunciou que iria fazer uma placa-mãe de MSX com um monte de coisas dentro (mas sem cassete, logo seria um compatível), eu dei duas ideias: Use teclado PS/2 (ou USB) e faça no form factor mini-ATX. Vamos às justificativas:
  1. Gabinetes mini-ATX são encontrados muito barato por aí: o micro onde escrevo esse testamento está num gabinete usado que me custou R$ 40;
  2. Montar o micro em gabinete de Expert é um saco: conheço gente que tem Expert 3 guardado há 10 anos que ainda não montou;
  3. Teclado PS/2 ou USB hoje em dia é algo fácil de encontrar.

Resultado: Pararam, pensaram… E depois me falaram que a ideia foi bem aceita.

  • Eu sugeri a eles fazerem adaptadores de teclado. Já que o MSX não tem um conector de teclado padrão, existem vários micros que não tem teclado disponível (inclusive um monte de Experts), então seria um bom produto para eles fazerem. Faz um rabicho para ligar no micro, e do outro lado faz um conector PS/2, com um circuito no meio do caminho. Eles gostaram da ideia, mas não sei se produzirão.
  • Fizeram uma BIOS para as placas de som com o chip OPL4 (Shockwave, Moonsound e compatíveis). Uma das placas, a Dal-So-Ri, tem essa BIOS incorporada. Seria interessante adicionar ao projeto? Sem dúvida. Mas também é certo que a Tecnobytes jamais faria uma gambiarra e colocaria um chip flutuando dentro do cartucho com essa BIOS. Pelo contrário, minha sugestão foi que quando eles redesenharem a placa da Shockwave, que eles vissem a possibilidade de acrescentar essa BIOS à placa. Eles ficaram de ver isso, logo não sei se isso sairá.

Vale lembrar que eu não sou o dono do projeto. Não sou eu que defino o que tem ou o que não tem no projeto. Eu apenas sugiro, mas quem dá a resposta definitiva não sou eu, são eles.

ADVRAM, DMA, Zemmix 2, 3, 4, mil…

Em um dos grupos de WhatsApp de MSX, outro dia começou a discussão sobre o Multicore 2, do Victor Trucco. O Trucco está usando um chip FPGA com 15 mil LEs, o que é uns 50% a mais do que o FPGA do MSX on a chip (e do Zemmix Neo) usam. Hum, bom. A ideia do Trucco é rodar vários cores de micros clássicos nesse conjunto: MSX, ZX-Spectrum, MC-1000, TRS-80… Dá uma olhada no site dele que você verá a lista.

Até aí, tudo bem, muito legal. E o povo começa a viajar. E aí vem o primeiro problema. Eu não sei quanto a vocês, mas essa série de posts é para exorcizar a maionese estragada que alguns andam consumindo. Tenho visto muitos papos malucos, a respeito. Deixa eu explicar rapidamente alguns aqui:

  • A ADVRAM foi uma ideia que surgiu na MSXBR-L anos atrás, que consiste em acesso direto à VRAM. No MSX, você escreve indiretamente na VRAM, mandando pro VDP e ele gravando e lendo. O Z80 não acessa. A ideia é copiar uma ideia já vigente nos ZX-Spectrum e Apple II. Isto rendeu inúmeras conversas, suporte em um emulador (o BR-MSX), mas nunca se concretizou. Não é viável.
  • Outro Santo Graal foi o uso de DMAs. É sabido por muitos que o R800 tem 2 canais DMA (acesso direto à memória) implementados, mas que não são usados. A ideia é que com o DMA, um periférico comunica-se diretamente com a memória, passando ao largo do processador. Isso aceleraria o desempenho em alguns processos, como acesso a disco, entre outros.

E retorna a “ideia” de implementar ADVRAM, DMA, um segundo SCC, um segundo PSG, V9990… Tudo em um chip FPGA. Ok, ok… Mas o que dói é que quem sugere isso, não escreve uma mísera linha em VHDL! Nada. Nunca fez um curso de FPGA pra ver como é, não escreve nem Hello World no BASIC do MSX. Muito mal joga. E pira no cabeção.

E aí, quando você tenta trazer para a realidade, fala da inviabilidade do processo, que deveria sentar e aprender sobre o que está falando… A resposta é que eu estou atrapalhando a tempestade de ideias, o brainstorm. Outra reclamação é que eu estou sendo derrotista, pessimista, que eu estou tirando o direito deles de sonhar, que eu devia fechar minha boca. Mas diacho, porque no te callas? Senta e investe tempo em escrever código, qualquer que seja. E pare de reclamar da vida.

Passemos ao segundo problema: Suponhamos por absurdo (como falamos em matemática) que isto seja implementado. Digamos que isso tudo foi feito e realizado (o que eu duvido, acho mais fácil urubu voar de costas). Aí começa a surgir software para esses micros diferentes. Isto é outro problema, porque corre o sério risco de segmentar uma comunidade. Como assim?

O exemplo do C-One

Se tem softwares que usam apenas os recursos que estão disponíveis nesses computadores diferentões, então a comunidade é dividida, entre os micros “tradicionais” e os “novos”. Dividiremos uma comunidade em duas. E eu me lembrei do C-One, implementação em FPGA do Commodore 64. Vocês conhecem? Então, ele tem um modo compatível com o Commodore 64, mas tem um monte de recursos novos implementados. Aí pergunto: Alguém usou? Não, a maioria da comunidade usa Commodore 64 mesmo. Ok, o preço espantou um pouco, são 333 euros (R$ 1342 na cotação de hoje). Mas mesmo assim, não usaram. E o que ele é hoje? Uma espécie de Multicore, do Victor Trucco.

Não adianta, não existe hardware sem software. Está aí o Windows 10 Mobile que não me deixa mentir. Sem software, não tem jeito. E todos que dão pitaco, ideias, viajam nessa maionese estragada… Não escrevem uma linha de código. E tem 1001 desculpas pra tal. Várias são plausíveis. Mas muitas são pobres. Ou seja, só gostam de dar ideia. E desses eu estou farto.

Tenho um amigo que comete o Retrocomputaria comigo, e que diz isto:

No fundo eu acredito que a maioria dos usuários-troll do MSX querem um super projeto de hardware com MSX onde você espete o cartucho do Goonies e ele sozinho faça o jogo ficar 3D imersivo.

E é por aí mesmo. Ou seja, agora você tem que aguentar isso.

Como disse lá em cima, esse texto é azedo, portanto comam algo doce para melhorar antes de comentar. Por enquanto eu paro aqui. Continuo na semana que vem. Opinem nos comentários, o que vocês acham do que eu estou dizendo. Soluções? Não sei se há, mas em algum momento eu penso em soluções. Só não foi nessa parte.

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.

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  1. Fala Ricardo, você fez lembrar da “História da Ciência”, voltei nos relatos da época quando inventaram o telefone e o povo dizia que aquilo não tinha sentido, pois no telégrafo já estavam até imprimindo e assim armazenando as mensagens, agora queriam apostar na voz humana que era uma complicação técnica para manter a qualidade. Mas foi este povo que não frequenta laboratório que foi dando a animação a incrementação da comunicação da voz, SP se falava disto nas exibições do telégrafo, diziam que era ligar para uma central e escutar opera, ter as notícias faladas ao pé do ouvido… Serviços estes que não existiam mas que o povo inventava para ter assunto, e quem conta um conto, aumenta um ponto. Enquanto estiverem falando o assunto não morre e a inspiração um dia aparece nas mãos de quem pode realmente executar o projeto.

  2. Talvez a comunidade MSX já esteja dividida entre os que se acham os caras que sabem tudo e o resto, que “não colabora”. Outro dia na MSXBR-l um novato fez uma pergunta simplória e um sabichão disse: “já falei isso mil vezes…”. Po, então pra que serve a lista?

  3. esse tipo de comportamento tóxico não é raro no meio de “computação” (seja retro ou atual). basta ver projetos open-source: alguns submetem bugs, outros tentam ajudar nem que seja corrigindo o texto de documentação pq alguem esqueceu os plural, mas sempre tem que peça algo fora da casinha e perde-se tempo dizendo “não”.
    porém nesse caso, o “não” fica restrito a um contexto: no caso a um ticket em um issue tracker – e a discussão fica publica.

    em um projeto privado, os pedidos ficam flutuando e acabam chamando mais atenção (as vezes negativa) por falta, talvez, de uma formalidade.

    façamos um experimento: se alguem pede uma feature, deveriamos encorajar o mesmo a ir alem, desde escrever uma RFC ( onde o bixo vai pegar ) até mesmo meter a mão na massa com “sua contribuição sera importante” ( ou “show me the code”). quem não sabe VHDL e pede algo vai ser obrigado a gastar 60 minutos até desistir da ideia e ir jogar Knightmare (ou vai alem e sai da sua zona de conforto).

    uma maneira menos agressiva seria fazer um bolão. a feature X levaria diversas horas de um profissional competente para ficar pronta, logo se alguem quer, que abra a carteira e contribua para um fundo de desenvolvimento e extensão do projeto (isso talvez faça mais sentido em crowdfunding). ou então transforme isso em premio: se alguem implementar a feature X vai levar o bolão e ainda ganha o titulo de “fudeba do ano” por implementar DMA no MSX ou algo do genero.

    ha formas de contornar ou despoluir as discussões, encorajando as pessoas a ter responsabilidade. O que pouca gente percebe é que pedir um msx quad-core (ou outras viajens na maionese) adiciona ruido a discussão e é decepcionante para quem esta envolvido. as vezes isso foi sem querer e aprendida a lição, erramos menos.

  4. É muito chá de fita K7!

    Ultimamente eu só ando lendo e rindo que nem bobo na frente do computador e do celular, povo não manja nada de nada e vem dar umas ideias loucas. Eu já tive a péssima ideia de querer montar um MSX de 16 bits real, mas o mesmo nunca será compatível com o que já existe, talvez ninguém faça nenhum software para ele. Melhor ficar só no desejo mesmo, pois “somente uma andorinha não faz verão”.