68000 e Uma Noites, Interlúdio: Placas Brazucas

Mestre Jecel dá uma pausa na sua odisséia sessentaeoitomilenar pessoal (parte 1 e parte 2) para nos contar algumas historietas curiosas & pitorescas sobre placas 68000 para PC (!!!) que deram as caras no nosso Brasil varonil. (A terceira história, em particular, deixá-lo-á de queixo caído.) As 68000 e Uma Noites retornam logo após o evento especial que tomará conta deste mui humilde blog a partir de depois de amanhã. Namastê.

Além de computadores na faixa de “super micros” baseados no 680×0, tivemos no Brasil placas de expansão para PCs com estes processadores.

1) Na tese da Márcia Cardoso sobre o SOX da Cobra tem várias fotos da placa que a empresa oferecia:
 
 
A primeira versão usava o 68010, mas parece que chegou a existir uma segunda versão com 68020. Mais perto do fim do projeto o Sistema Operacional X foi portado para o 386, mas no início ele só rodava em processadores da Motorola. Na feira de informática de 1987 a Cobra estava demonstrando um PC com a primeira versão da placa. Eu pude brincar um pouco com a máquina e ao dar o comando “ls” ele demorou uns três segundos para responder. Fiquei pensando que deveriam ter terminais por todo o Anhembi ligados ao computador, mas ao dar o comando “who” vi que só tinha eu de usuário. Ou seja: comparado com o PC pelado rodando o QNX direto de disquetes, esta placa de “aceleração” usando um HD estava umas 5 vezes mais lenta.
 
2) Quando implodiu o projeto do Mac Unitron em 1988, o Alberto Diez daquela empresa me chamou para uma conversa na casa dele. Ele e outro engenheiro tinham ficado muito decepcionados com o fim do projeto e queria aproveitar todo o trabalho que havia sido feito na forma de uma placa que transformaria um PC normal num Macintosh. Eles comprariam os chips necessários da Unitron e assumiriam o risco de qualquer processo da Apple. O problema era que os dois só conheciam o Apple II e Mac e não tinham a mínima idéia de como era um PC. Como eu era sócio do dono da Softec, que lançou o primeiro PC no Brasil, eles imaginaram que eu poderia ajudá-los. Infelizmente ele não ficaram contentes com minhas informações: eles só aproveitariam o gabinete, fonte e teclado do PC. Eles teriam que ligar em suas placas seu próprio monitor (já que monitores VGA ainda demorariam alguns anos para chegarem ao país), suas prórias unidades de disquete e sua placa não teria como aproveitar a memória do próprio PC. Este último detalhe inviabilizava o projeto. Eles tinha a esperança de que daria para fazer algo como no Softcard do Apple II onde o Z80 usa a memória do micro. No PC AT seria possível, mas poucas pessoas tinham esta máquina na época.
 
3) Um caso em que era óbvio que a reserva de mercado estava atrasando o país era dos laboratórios nas universidades. Enquanto os laboratórios americanos estavam cheios de estações de trabalho da Sun, Apollo, HP e Silicon Graphics, os brasileiros tinham Apple II e PCs. Preocupado com esta diferença, o governo criou uma lei onde qualquer empresa que doasse um estação de trabalho para uma universidade poderia descontar 4 vezes o valor de seu lucro na hora de calcular o imposto de renda. Os bancos adoraram a idéia: se gastassem $30 mil numa máquina e dessem de presente para uma universidade, descontariam $120 mil dos lucros declarados e com uma faixa de imposto de 35% deixariam de pagar ao governo $42 mil, ganhando na prática $12 mil com cada máquina doada.
 
Vendo isso, o dono da FBFuscoJr Engenharia teve a idéia de pegar um PC de $3 mil, colocar uma placa gráfica melhor que a tradicional CGA e uma placa aceleradora 68020 e chamar isso de estação de trabalho. O custo total para ele seria uns $6 mil, mas ninguém acharia estranho ele vender por $30 mil já que não havia nenhum outro fornecedor de estações de trabalho no Brasil. Para sua sorte, uma placa como ele queria tinha aparecido neste artigo e estava sendo vendida nos EUA:
 
“The Definicon 68020 coprocessor Part I: the hardware and operating system”
de: Trevor Marshall, Christopher Jones e Sigi Kluger
BYTE Magazine, Volume 11 Issue 7, July 1986, páginas 120 – 144
 
Vender a máquina por 5 vezes o que custava foi tão lucrativo que ele logo pode comprar a empresa americana Definicon, que passou a ser uma filial na Califórnia da empresa brasileira, uma das poucas multinacionais da época da reserva de mercado. Os bancos estavam felizes, ganhando dinheiro a cada doação. As universidades estava felizes: recebiam a máquina e jogavam fora a placa 68020 e usavam o PC normalmente. Tinham recebido de graça e por isso não fazia diferença se tinha custado $3 mil ou $30 mil. Normalmente também jogavam fora a placa de vídeo melhor pois não tinham software que aproveitava (os drivers de vídeo eram para Unix 68020).
 
Quando o esquema estava no auge, a empresa teve um estande numa mini feira de tecnologia na Poli-USP. Eu pude re-encontrar o Gustavo de Carvalho Reis que tinha sido meu colega no colégio (ele mostrou um micro 8080 na mesma feira de ciências que mostrei um videogame) e que depois tinha estudado no ITA e agora estava na FBFuscoJr. Ele me contou que eles estava aumentando muito a equipe local de desenvolvimento e tentando integrar melhor com a equipe da Califórnia.
 
Mas o governo ficou muito decepcionado com isso e liberou a importação de estações de trabalho anos antes do fim da reserva de mercado. Logo alguns laboratórios universitários se encheram de Suns e também tiveram umas Apollos. Não sei o que aconteceu com a FBFuscoJr, mas continuei a ver propagandas dos produtos da Definicon nas revista Byte por muitos anos depois disso.

Sobre Juan Castro

Juan Castro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis – a única cujo Micro Formador não foi o MSX (e sim o TRS-80). Idealizador, arquiteto e voz do Repórter Retro. Com exceção do nome, que foi ideia do Cesar.