Vocês sabem que eu gosto de compartilhar as minhas aventuras em retrobright, pintura, modding aqui com vocês, por alguns motivos. Entre eles, são:
- Porque eu gosto de falar de algo que eu fiz e deu certo.
- Porque assim eu posso estar animando alguém a fazer o mesmo.
- Porque senão eu esqueço como fiz e vocês já sabem, “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la” (Edmund Burke).
Pois então, lembram do JVC HC-90, o mais novo integrante da família MSXzeira aqui de casa? Quem viu as fotos, deve ter notado que o teclado chegou BEM amarelado, inclusive as teclas. Olhei pra ele, pensei: “Esse aí é bom para mandar um retrobright“. Challenge accepted.
Desmontagem
Primeiro, vamos desmontar o dito cujo. A parte de trás é fechada com 3 parafusos na base, conforme você pode ver nessa foto aqui. Tirou os parafusos, e encontramos uma característica assaz curiosa de alguns MSX: A parte de cima do teclado (o que eu chamo de plate) é fixa, com as teclas juntas. Logo, é tudo uma peça só, de plástico injetado. O Expert, de certa forma é assim – com a diferença de que você consegue remover as teclas. Aqui não.
A placa de circuito impresso do teclado fica embaixo, presa por nada mais nada menos do que 19 parafusos. Dezenove minúsculos parafusos. Lá fui eu tirar um a um, desatarraxar, colocar num potinho todos os 22 parafusos (19 + 3 grandes)… E aí eu contemplei a peça, com o mecanismo de teclas mais curioso que eu já vi.
Este mecanismo tem algo como rebarbas de metal. Essas rebarbas encaixam no contato com as teclas do teclado, e ao você pressionar, essas rebarbas mexem e fazem o contato. Uma festa para dar problemas, então se você tem um JVC HC-90 e/ou crianças ou animais de estimação que se acham donos da casa (gatos, por exemplo), prepare-se para fortes emoções. Como tenho no momento nenhum em casa, ficou menos difícil (apesar da minha esposa adorar por a mão em tudo).
Retrobright – primeira tentativa
Bem, mas vamos pro retrobright. Estamos no período de outono no Rio de Janeiro, onde a temperatura não é lá muito alta… Para os padrões cariocas. Mas o que importa, num bom retrobright, é sol. E nessa época do ano, não tem muita radiação solar aqui em casa. Pelo visto, teria eu que ser criativo no processo.
Inicialmente, tentei a abordagem da água oxigenada cremosa. Logo, comprei um frasco de água oxigenada cremosa 40 volumes, passei em todo o teclado, e cobri ele com papel filme. A água oxigenada reage com os raios ultravioleta, que liberam ozônio e ele clareia o plástico. O papel filme retém o ozônio na superfície.
Eu também ganhei do amigo Rafael (MSXzeiro do interior de São Paulo) um NS-K330, um servidor de arquivos em miniatura, e que merecia um retrobright também. Fiz o mesmo processo em ambos. Como eu disse, estamos num período de sol meio escasso, a posição do astro rei não me favorece. Então, coloquei o teclado no telhado da casa da vizinha (uma casa térreo), e aguardei. Quando o sol acabava, eu mudava de posição, passava para a mureta da varanda da minha casa, até não ter mais sol.
Problemas…
Eu poderia ter comprado uma lâmpada de luz negra, ou mesmo um refletor LED de luz negra, como o 8-Bit Guy mostrou nesse vídeo aqui, de restauração de um Commodore 64. Aliás, eu fui atrás de uma lâmpada UV nas lojas ae material de iluminação aqui perto de casa, sem sucesso. Mal sabia eu que as lâmpadas UV são bem mais restritas, e que a luz negra ajudaria a acelerar o processo. Mas eu não comprei, e foi até bom. Eu não estou toda hora clareando algo, então eu a usaria uma vez e a guardaria numa caixa de lâmpadas, esperando a próxima vez a ser usada. Mas bateu a tentação.
Então, fui olhar o estado, que vocês podem ver aí do lado – se clicar, verão a foto em maior resolução. Clareou um pouco, mas não ficou bom. Pior, começou a marmorizar. A gente fala que a peça fica marmorizada quando o processo de descoloração não é homogêneo. Ou seja, fica riscado, malhado, salpicado… Fica feio. E eu confesso meus traumas com o teclado carijó do meu Paxon PCT-50, por erro meu. Então, como diz meu pai, seguro morreu de velho e o desconfiado está vivo. Parei o processo, apesar das teclas terem dado uma clareada boa.
Retrobright – segunda tentativa
Parei, pensei: E se eu usar água oxigenada líquida, 10 volumes? O importante de uma reação química é que ela ocorra lentamente. Assim fica mais fácil controlá-la. E se demorar, paciência. Não estou lá com tanta pressa assim. A opinião não era muito compartilhada por minha esposa, que, na ansiedade típica das possuidoras do cromossomo XX, queria acabar logo com isso.
Peguei aquele recipiente gigante de plástico que eu tenho (e que usei para a pintura hidrográfica), medi e calculei quantos litros de água oxigenada eu iria precisar. Calculei em 4 litros. Liguei pra uma farmácia, não, não tem. Liguei pra outra… Tem. Perguntei se tinha pelo menos 5 litros de H2O2. Eles disseram que sim. Troco de roupa, pego minha máscara facial (tempos de quarentena) e vou pra farmácia. Volto com 6 litros de peróxido de hidrogênio (sim, eu sou exagerado).
Pego o teclado, coloco dentro do recipiente, viro 4 litros lá dentro. Coloco 2 pesos dentro (para manter o teclado submerso) e fecho o recipiente com papel filme, mantendo-o preso com fita adesiva. E aí, é um exercício de paciência. Durante 4 dias, coloquei o teclado para tomar banho de sol, mudando a posição de tempos em tempos. Vez por outra, eu achava que estava sendo inútil o processo, mas olhava dentro do líquido e via várias pequenas bolhas. Sinal de que a reação estava acontecendo! Muito bom.
Bem, depois desse tempo todo (e uma troca de papel filme), o teclado chegou no ponto em que eu queria, esse aí embaixo.
Bem próximo do original, né? Para mim estava ótimo. Mas ainda assim, haviam linhas que comprovavam a marmorização. Ou seja, estava um pouco manchado. E como resolver isso? Bem, eu peguei um papel toalha, puxei uma lata de cera automotiva, umedeci e esfreguei no teclado. A cera é levemente abrasiva, útil para tirar imperfeições da superfície, nivelar a pintura. Fiz isso e as imperfeições sumiram! Ótimo.
Secagem e verniz
Daí, vamos para o processo de secagem do mesmo. Minha esposa tem um soprador térmico que ela insiste em chamar de secador de cabelos. Sério, eu já usei ele para tirar adesivo de superfície de metal, para remoldar plástico e também para secar teclado. Lógico que eu desliguei o modo quente que nem o inferno e soprei o teclado todo. Várias vezes, na parte de cima e na parte de baixo. Não contente, passei papel toalha com um cartão de PVC velho entre as teclas, para tirar umidade dali. E tirei um tanto.
Mas ainda faltava uma coisa: Como eu vou impedir que esse teclado amarele de novo? A melhor maneira era proteger ele da radiação UV. Lembrei de ter lido de pessoas que aplicaram verniz incolor fosco no plástico, para protegê-lo. Lembrei que tinha uma lata desse verniz em spray em casa (minto, tenho 2), mas não queria envernizar o teclado. Peguei a fita adesiva, cortei os pedaços e cobri todas as teclas do teclado. Peguei a lata de verniz e apliquei 3 demãos sobre o teclado, dando o devido tempo para secar. Depois, deixei passar o tempo, sequei mais algumas vezes com o secador e o remontei. O resultado está abaixo.
Bem melhor, não? Sem dúvida. Foi engraçado quando o antigo proprietário viu a foto. O palavrão que ele falou me é proibido de falar aqui nesse horário. Mas ele gostou do resultado final.
Quase lá!
Mas eu tinha outro problema para resolver… Não sei se você lembram do arranjo que estava na minha mesa, com o Expert 3 (aquele, camuflado) com o Philips em cima e o JVC do lado. O ideal era o JVC e o Philips em cima, justamente por serem do mesmo tamanho. Mas devido à altura do Expert, eu tinha um problema: Não poderia usar o 2o slot lateral do Philips porque o gabinete do Expert não deixava. Ou seja, eu precisava por um calço embaixo do JVC, para assim colocar o Philips em cima e poder usar os slots laterais.
Lá fui eu pra laje de casa, munido de um arco de serra, para pegar um pedaço de rodapé. Medi, serrei 2 pedaços e desci. Apliquei o verniz (2 ou 3 demãos), deixei secar, coloquei na mesa, reposicionei tudo (dá trabalho quando você não consegue ver), mas deu certo. E hoje a mesa dos MSX está assim:
E o teclado está no seu lugar de merecido destaque.
Conclusões
- A água oxigenada líquida 10 volumes foi uma ótima estratégia. Não ficou caro (gastei uns 40 reais em 6 litros e eu usei 4), produziu um ótimo efeito e não agrediu o plástico.
- Se eu tivesse usado água oxigenada líquida no teclado do Paxon, ele não estaria todo salpicado como está. Só pra passar raiva.
- Paciência, Daniel-san. Não é um processo rápido se você não quer acelerá-lo artificialmente.
- Provavelmente terei que fazer novo retrobright no Spectravideo SVI-738 novamente (3a vez, espero que seja a última). Uma alternativa seria aplicar o verniz. A outra seria pintar o micro da mesma cor que ele tem de fábrica, o que pode ser obtido com um spray de cor areia (acho). Usei um desses para repintar a tampa do nosso microondas, combina com a frente (amarelada).
Espero que vocês tenham se animado a fazer retrobright em alguma peça sua. Se vocês quiserem ver todas as fotos do processo (são 18), você pode visitar o nosso instagram, ou clicar aqui e ir para o nosso álbum no Google Fotos. Cuidem bem dos seus micros e divirtam-se!
PS: E o NS-K330? Estou pensando em transformar ele em um servidor FTP para que os MSXs baixem arquivos dele. Pretendo instalar o SnakeOS nele e dar um destino bem digno para ele.
O resultado ficou excelente, praticamente “novo”.
Uma questãõ de um leigo no processo:
1- No processo de limpeza, existe um limite de tempo a se deixar o carcaça submersa? Pode começar a deteriorar ?
Isso poderia virar um negócio interessante. Restauração de carcaças.
Valeu!
Olha, o processo depende principalmente de dois fatores:
1) Radiação UV. Quanto mais, mais rápido.
2) Concentração da água oxigenada. Quanto maior, mais material para agir.
Mas tem gente que adiciona algumas coisas…
1) Tem quem use um gerador de ozônio e um saco do tipo zip-lock. Assim é um retrobright “a seco”. Dizem que é mais rápido.
2) Se você acrescenta algum outro fator, como calor ou produtos para aumentar a quantidade de oxigênio.
2.1) Tem gente que faz o retrobright, e aquece a água a uma certa temperatura ao mesmo tempo (tipo, 60 graus). Por exemplo, tem quem coloque água oxigenada numa panela, adciona as peças pequenas (como teclas do teclado), esquenta a água até essa temperatura (no fogão, claro) e a mantém. Dizem que acelera.
2.2) Você pode adicionar água morna e um produto que gere oxigênio, como os Vanish. O Vanish gera mais oxigênio, acelerando o processo. Eu não fiz porque não queria comprar um pote desse produto só pra tirar uma colher de chá.
Mas tem gente que abusa da sorte… Essa história eu relatei em um Retrobesteiras, lá por 2014, 2015… Um conhecido nosso pegou um FM-Towns e resolveu fazer retrobright. Exagerado como sempre, comprou uma caixa organizadora grande, forrou de papel alumínio por fora, comprou lâmpadas UV, fez o circo completo, com o objetivo de, segundo ele, decantar retrobright. Além de tudo era burro.
Pois então, ele fez isso tudo, usou água oxigenada cremosa 40 volumes, colocou na caixa… E foi beber. Bebeu tanto que dormiu. E a tampa do Towns ficou lá de molho por 8 horas. Quando ele abriu, no dia seguinte, a peça parecia uma escultura de arte moderna, toda retorcida. Ele nos contou, e no Retrobesteiras é possível ouvir eu falando que ele tinha m* na cabeça.
Ele ainda falou em pegar um soprador térmico, aquecer a peça e usar aqueles grampos de colar fórmica, os “sargentos”. E eu disse que nem general resolveria a besteira que ele fez. No final das contas, os miúdos desse Towns serviram para arrumar mais dois ou três Towns de gente daqui do Brasil. É o jeito.
Poxa, não imaginava que há tantas alternativas para o processo. Eu acreditava que realmente o plástico iria se deterioar com o tempo, pois com tanta substancia envolvida a integridade seria comprometida.
A história do amigo de vocês foi engraçada imaginar a cena.
Obrigado pela explicação detalhada.