Nos episódios 41 e 44, conversamos sobre a gênese do IBM-PC, com a participação do saudoso Laércio Vasconcelos. Afinal, o que impedia a clonagem dos computadores feitos pela Big Blue era a BIOS, que era proprietária. Mas, como isso foi feito?
Então, Laurie Kirk, pesquisadora no Google, postou no seu Linkedin um breve texto explicando como tudo isso aconteceu. Abaixo temos a tradução.
Um único programador de Boston reescreveu a BIOS em 1984.
A IBM queria processá-lo. O programador usou inteligentemente uma brecha, o que se tornou o modelo para a engenharia reversa legalmente defensável.
Provavelmente, desde então, você tem feito o boot de computadores que são descendentes dessa BIOS. Foi assim que a Phoenix Technologies conseguiu se safar:
O caso Apple v. Franklin considerou que a BIOS poderia ser protegida por direitos autorais. A IBM já havia esmagado outros concorrentes citando esta mesma jurisprudência.
A Phoenix então criou um estratagema bizarro: E se um engenheiro nunca tivesse visto a especificação da IBM… E tivesse tido a ideia organicamente?
O esquema, conhecido como Chinese Wall, funcionou da seguinte forma:
Uma equipe leu o Manual de Referência Técnica da IBM (esse aí do lado), escrevendo especificações extremamente detalhadas (mas não plagiadas).
Um engenheiro solitário, nunca exposto ao código-fonte da IBM, escreveu APIs compatíveis para atender às especificações técnicas.
Por mais que as duas correspondessem, nenhum código foi copiado diretamente.
E assim foi feito. A Phoenix agora tinha uma BIOS compatível com os computadores da IBM. Esta BIOS foi vendida a empresas de hardware por US$ 290 mil.
Para estabelecer laços de confiança com os clientes, a Phoenix ofereceu uma apólice de seguro de US$ 2 milhões contra processos judiciais. E os processos vieram, claro. Mas a Phoenix desviou e escapou de todos.
Isso mudou radicalmente o mercado de PCs. De repente, a Hewlett-Packard (HP) e outras empresas (querem a lista?) puderam criar seus próprios computadores, que eram clones compatíveis com o IBM-PC.
A American Megatrends, observando o sucesso jurídico da Phoenix, implementou a técnica de sala limpa em sua própria BIOS. A empresa cresceu muito. 75% dos PCs fornecidos em 1994 usavam o código da American Megatrends!
Ambas as empresas ainda existem hoje, mas a história original da Phoenix é uma aula magistral de engenharia reversa.
E esse trabalho foi feito por um engenheiro solitário em Boston.
Curiosidade: A ação desse engenheiro foi inspiração para o personagem Cameron Howe na primeira temporada da série Halt and Catch Fire.
Em 1984 a IBM processou os 3 fabricantes brasileiros de clones de PC (Ego da Softec, Nexus da Scopus e PC2001 da Microtec) por terem copiado o BIOS. Curiosamente eles não tinham medo da IBM e sim da Microsoft (o Ego vinha com as EPROMs do BASIC mas os outros dois vinham com soquetes vazios a serem populados pelos clientes), provavelmente em função da IBM ter publicado o código fonte do BIOS. Os processos foram uma surpresa. No caso da Softec o que foi feito foi um cut/paste do código da IBM mudando a ordem de tudo menos alguns endereços chamados diretamente pelas aplicações (que não deveria acontecer, mas programadores não seguem as regras). A IBM retirou o processo contra a Softec apesar do programador claramente ter visto o código original e nem ter realmente alterado nada. Não sei o que a Scopus e Microtec fizeram. Talvez a IBM tenha sido mais branda no Brasil pois software binário só passou a ser protegido pela lei de direitos autorais no fim de 1987 (como descobriu o Sinclair ao tentar processar a Microdigital por ter copiado as ROMs do ZX81). Ou talvez a sala limpa tenha sido suficiente, mas não necessária.