Arquivo diários:20/03/2015

O Ataque dos Clones – Parte 2

Clones

(Este artigo é uma tradução do original de Jimmy Maher, no blog The Digital Antiquarian.)

⇐ Parte 1

O IBM PC foi, do mesmo modo, visualizado como não só um computador, mas o ponto focal de uma família de computação interoperável, em evolução permanente, que poderia viver por anos ou décadas. Três anos depois do lançamento da máquina original, já era possível escolher entre duas CPUs (Intel 8088 ou 80286); entre tamanhos de RAM de 16 KB a 640 KB; entre quatro sistemas de vídeo diferentes (do MDA, apenas texto, ao caro e complexo Professional Graphics Controller); uma grande variedade de periféricos como drives de disquete e HD, backup em fita, modems, interfaces de impressora etc. O denominador comum era um sistema operacional único, o MS-DOS, que rapidamente se estabeleceu como o único dos quatro sistemas suportados pelo PC original que as pessoas realmente usavam. Aqui vemos uma diferença-chave entre o System/360 e o IBM PC, que no futuro causaria grandes dores de cabeça à IBM: ao passo que o SO do primeiro foi desenvolvido internamente, o do segundo pertencia à Microsoft.

A arquitetura do IBM PC diferia da do Apple II no fato do SO residir em disco, sendo copiado para a memória na inicialização, e não em ROM. Mas todo computador precisa ter algum software em ROM. Num IBM PC, esse código se chamava “Basic Input/Output System” (Sistema Básico de Entrada/Saída), ou BIOS, um nome que a IBM pegou emprestado do CP/M. O BIOS era responsável por fazer algumas verificações e configurações de hardware no momento da inicialização, e por carregar o sistema operacional do disco para a memória RAM. Também possuía um conjunto de rotinas bem básicas e de baixo nível para fazer coisas como ler e escrever de discos, receber caracteres do teclado, e exibir texto na tela; estas são chamadas constantemente pelo MS-DOS e, frequentemente, por aplicativos. O BIOS era o único software no IBM PC que a própria IBM escreveu e detinha os direitos. Obviamente, eles não tinham nenhuma intenção de compartilhá-lo com quem quer que fosse. Duas pequenas empresas, Corona Labs e Eagle Computer, simplesmente copiaram o BIOS da IBM, à la Franklin. Levou um dia para a gigante entrar com um processo e obter rendição total e retirada do mercado das duas máquinas, quando elas chegaram ao conhecimento da IBM em 1984.

Bem antes disso, outros candidatos a clonadores, mais sensatos, perceberam que criar uma versão “sala limpa” e compatível do BIOS da IBM seria a chave para criar um clone legal. A ênfase do IBM PC em modularidade e expansibilidade futura fazia com que a máquina fosse um pouco mais tolerante do que o Apple II nesse respeito. Mesmo assim, criar um BIOS IBM-compatível seria um empreendimento técnica e financeiramente arriscado.

À época do lançamento do IBM PC, três executivos da Texas Instruments — Rod Canion, James Harris, and William Murto — namoravam ideias para sair do que eles viam como uma cultura avessa à inovação na TI. Animados para abrir o próprio negócio, eles cogitaram de tudo, desde um restaurante mexicano a gadgets como um bip para achar chaves perdidas. Até que começaram a perguntar o que as pessoas em volta deles na TI queriam nas suas vidas profissionais mas não podiam obter. A resposta veio rápido: um computador pessoal portátil e usável, que executivos e engenheiros pudessem levar em viagem, e barato o suficiente para que o departamento de compras não reclamasse. Outras empresas exploraram o conceito antes, com destaque para a Osborne Computer com seu Osborne 1, mas esses produtos falhavam seriamente no quesito usabilidade. A tela do Osborne 1, por exemplo, tinha míseras 5 polegadas; só de pensar nela, os olhos dos usuários já começavam a doer. Os disquetes armazenavam não mais que 91 KB. A memória era de 64 KB. Todos esses portáteis precursores rodavam CP/M, até então o SO padrão da computação corporativa. Canion, Harris e Murto perceberam que os dias do CP/M estavam contados a partir da adoção do MS-DOS pela IBM. Para evitar depender de um sistema moribundo, eles inicialmente planejaram criar um próprio. Mas ao consultar as grandes editoras de software sobre o interesse em desenvolver para mais uma máquina incompatível, as respostas não foram encorajadoras. Só havia uma saída: o portátil teria que, de alguma maneira, ser compatível com o IBM PC. Se eles conseguissem lançar uma máquina nesses moldes antes que a IBM o fizesse, o retorno poderia ser gigantesco. Ben Rosen, um proeminente investidor de risco, concordou e investiu 2 milhões e meio de dólares para fundar a Compaq Computer Corporation em fevereiro de 1982. Com dinheiro no banco e conexões na indústria, Canion, Harris e Murto estavam convencidos de que poderiam facilmente projetar um portátil compatível a nível de hardware que fosse melhor que qualquer coisa disponível então. Faltava o software.

Dada a reputação de Bill Gates como o Maquiavel da indústria da computação, não nos parece estranho que, segundo alguns jornalistas, ele teria antecipado a ascensão dos clones de PC antes mesmo do lançamento do primeiro IBM PC. Mas não foi esse o caso. Tudo indica que Gates negociou um acordo de licenciamento com a IBM (em vez de vender o MS-DOS) apenas na expectativa de que o próprio IBM PC fosse um grande sucesso, fazendo com que as licenças por unidade fossem mais lucrativas a longo prazo do que uma soma única. Logo, ele ficou tão surpreso quanto qualquer um quando a Compaq e alguns outros candidatos a clonadores solicitaram acordos de licenciamento para suas próprias máquinas. Claro, Gates sendo Gates, não deve ter levado dez minutos para ele perceber todas as implicações do que estava sendo pedido, e começar a assinar contratos que, por sinal, pagavam consideravelmente mais que o da IBM.

O BIOS seria mais difícil — a cabeça-de-praia na qual a invasão do território da Big Blue seria um sucesso ou um fracasso. Sabendo que simplesmente copiar as ROMs da IBM não seria sábio, a Compaq contratou uma equipe de quinze programadores que dedicariam os meses seguintes a criar uma imitação fiel. Um programador que tivesse qualquer familiaridade com o BIOS da IBM era conhecido como “sujo”, e proibido de trabalhar no projeto. Ao invés de confiar nas especificações do BIOS publicadas pela IBM (que poderiam muito bem estar incorretas, seja por negligência ou má-fé), a equipe pegou os 30 mais populares aplicativos do mercado e passaram um pente-fino em um de cada vez, analisando que chamadas à BIOS cada um fazia, e determinando por tentativa e erro que retorno eles esperavam. Os dois programas mais complicados, que viriam a se tornar um tipo de stress-test padrão de compatibilidade tanto dentro como fora da Compaq, foram o Lotus 1-2-3 e o Microsoft Flight Simulator.

Antes do fim do ano, a Compaq estava demonstrando o novo portátil para a imprensa e o público, e trabalhando freneticamente para construir uma rede de vendas forte. Para esta última tarefa eles praticaram um pouco de headhunting e trouxeram da IBM H. L. ”Sparky” Sparks, o homem que montou a rede de vendas do IBM PC. Sabedor de como os varejistas pensavam e do que era importante para eles, Sparks estabeleceu uma margem padrão de 36%, contra os 33% oferecidos pela IBM. Assim, os vendedores tinham motivo para considerar com carinho se um Compaq poderia atingir as expectativas de um consumidor tão bem ou melhor que um da Big Blue.

O primeiro computador da Compaq, o Portable
O primeiro computador da Compaq, o Portable

Esse tipo de realpolitik inteligente tornou-se uma marca registrada da Compaq. Clones anteriores vinham tipicamente de empresas de garagem, e tinham um ar de improvisação.

O pior vizinho de assento possível: um executivo com um Portable.
O pior vizinho de assento possível: um executivo com um Portable.

A Compaq, com seu QG num subúrbio de Houston, era diferente — não só de outros clonadores mas também das empresas estabelecidas do Vale do Silício. A Compaq era mais “velha”, mais conservadora. Ela se interessava em mudar o mundo apenas na medida em que isso significasse mais micros Compaq nas mesas e nos bagageiros dos aviões. “Não acho difícil convencer alguém de 20 anos de idade a alimentar seu ego ‘melhorando’ um IBM”, diz J. Steven Flannigan, líder da equipe de engenharia reversa do BIOS. “Quando você é um quarentão gordo e tem um monte de patentes, nem precisa tentar.” Era uma atitude que gerentes de compras podiam entender. Realmente, a Compaq passou a trazer consigo muito do mesmo sentimento de “apatia confiável” comumente associado à IBM. Não chegaram a ser os primeiros no mercado com um clone de “BIOS limpo” (essa honra pertence à Columbia Data Products, uma empresa bem menos organizada que estaria extinta em 1985), mas foi a Compaq que legitimou o conceito aos olhos da América Corporativa.

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