Prosseguindo a nossa série de histórias para ouvir em volta da fogueira (já que estamos na época propícia para fogueiras), continuamos a epopeia sessentaeoitomilzística de Mestre Jecel que começou semana passada. Com vocês, o computador VERSAbus.
O resumo do projeto 2: o Laboratório de Subsistemas Integráveis (depois renomeado para Sistemas Integráveis) da Poli-USP, fundado pelo professor João Antônio Zuffo, tinha como seu único computador um antigo mini da HP que não funcionava direito. Assim, os terminais gráficos desenvolvidos no laboratório não tinham onde ser ligados e todo o desenvolvimento de chips estava sendo feito no papel. Uma opção seria comprar placas com o padrão VERSAbus da Motorola e também comprar o sistema operacional VERSAdos, mas era necessário muito conhecimento técnico para deixar um sistema destes funcionando e para isso foi contratado o Osvaldo Vieira Cristo que aceitou o trabalho com a condição de que eu participasse do projeto também.
Não considero isto realmente como um projeto meu pois as placas e o software foram desenvolvidos pela Motorola. Além disso, elas nunca foram compradas de modo que a máquina nem chegou a existir. Mas sem o contexto deste projeto, detalhes dos seguintes ficam meio sem sentido. Infelizmente este texto vai ter que ser muito autobiográfico, mas os outros focarão mais nos computadores em si.
Eu e o Osvaldo eramos alunos do terceiro ano da Poli no curso de eletrotécnica. Na época, o vestibular era apenas para a Poli em geral. Os 600 alunos de primeiro ano eram divididos em 10 classes de 60 alunos cada. Como a lista usada era em ordem alfabética, só conheci Joãos e Josés no início. Nenhum deles se interessava por computadores ou eletrônica. No final do primeiro ano cada aluno escolhia se queria engenharia civil, elétrica, mecânica, química, de minas ou metalúrgica (produção eram uma especialização dentro de mecânica na época). O número de vagas para cada curso era fixo: 200 para civil, 120 para elétrica e assim por diante. Como as escolhas dos alunos não casavam com estes números, era criada uma lista de todos os alunos em ordem de nota média do primeiro ano e os mais bem colocados escolhiam primeiro. Eu consegui entrar na elétrica como eu queria.
No final do primeiro ano, participei de uns cursos oferecidos pelo CCE (Centro de Computação Eletrônica) como mencionei na história do primeiro projeto. Quase todos os outros alunos que participaram deste curso também entraram na elétrica. Assim, quando começou o segundo ano eu já fazia parte de uma “turma”. Apesar de estar mais ligado aos que também estavam fazendo estágio no CCE, também fiquei amigo de alguns que fizeram o curso e depois foram fazer outras coisas, como o Osvaldo.
No final do segundo ano, os 120 alunos da elétrica precisavam escolher entre eletrônica e eletrotécnica (barragens, torres de transmissão de energia, bondes e coisas do tipo). Cada opção era limitada a 60 vagas, mas em função da entrada de microcomputadores no Brasil apenas 10 alunos queriam eletrotécnica e os demais só se interessavam pela eletrônica. A média das notas do segundo foi usada para resolver o caso, mas eram todas muito próximas. O aluno no 30º lugar poderia ter uma média de 7,654 por exemplo (de 0 a 10, sendo 5 a nota de aprovação) enquanto o do 80º lugar teria 7,438. Eu e boa parte da meu grupinho fomos parar na eletrotécnica. Muitos largaram a Poli e nunca se formaram – o mercado estava super aquecido e nós conhecíamos computadores e microprocessadores melhor do que quase todos os engenheiros já formados de modo que eles foram contratados mesmo estando no meio do curso. Eu mesmo larguei a faculdade e só voltei em 1989 para me formar em microeletrônica em 1990.
Em agosto de 1982 o João Zuffo e Sérgio Takeo Kofuji entraram em contado com o Osvaldo a respeito do computador VERSAbus. O Osvaldo também tinha ficado na eletrotécnica e estava fazendo estágio na área usando seus conhecimentos de computação para simular fluxos magnéticos no interior de transformadores. Ele estava procurando novas oportunidades e veio falar comigo. Ele só aceitaria o trabalho do LSI se eu aceitasse fazer junto. Note que o estágio não era remunerado, de modo que dois estagiários não custariam nada a mais para o laboratório que apenas um. No CCE eu estava ganhando bem, mas estava meio sem espaço em função de uma reorganização depois do fim do projeto das máquinas de leitura ótica da Fuvest. Por isso eu aceitei.
Muitos anos depois o Zuffo me contou que ele não nos levou muito a sério em função de sermos alunos da eletrotécnica. No ano anterior eles tinham “contratado” dois alunos nas mesmas condições e eles não foram capazes de fazer os trabalhos propostos. Esta desconfiança teve um impacto grande nos rumos dos dois projetos seguintes.
Mas a entrevista foi positiva e recebemos a tarefa de ir ao escritório comercial da Motorola (no qual eu já tinha contatos em função do meu pai) e pegar todo o material possível sobre os produtos baseados no processador 68000. A Intel estava tendo um enorme sucesso com o seu barramento Multibus, o que fez vários produtos com processadores da Motorola, como a Sun 1, adotar este padrão. Para não perder espaço, a Motorola criou o seu VERSAbus otimizado para o 68000. E criou várias placas com processador, memórias, controladores de porta serial, controladores de disco, interface de vídeo e assim por diante. Seria possível montar uma máquina comprando um gabinete com fonte de alimentação e número de slots adequados, um conjunto coerente de placas e os periféricos necessários. Quando tudo isso estivesse funcionando, seria necessário instalar o software.
O catálogo “Motorola Microprocessor Software Catalog” de 1983, por exemplo, lista como sistemas Unix e derivados disponíveis: Regulus, Unos, Idris, Coherent, RTU, Uni-DOL, Spectrix, Uniflex, Unix e Uniplus. Além destes, haviam muitas opções não derivadas do Unix: DSSDOS, CP/M68K, Forth, 68000/PDOS, ADAX, MSP/68000, VTRX/68000, MTOS-68K, C Executive, OS-9, RMS68K, BOS, OASYS, RM/COS, UCSD P-System, PSOS-68K e VERSAdos.
Foi justamente pelo VERSAdos que o pessoal do LSI se interessou, principalmente por ser um sistema operacional de tempo real. Esta característica não seria necessária para o projeto de circuitos integrados, mas eles não queriam limitar as possíveis aplicações da máquina.
Com todo o material na mão, eu e o Osvaldo passamos a nos reunir regularmente na biblioteca do prédio da elétrica já que não havia um espaço no LSI para nós. Depois de muito debate, escolhemos um gabinete e um bom conjunto de placas e entregamos um relatório com nossas conclusões. O Zuffo e o Takeo pediram mais informações de modo que voltamos ao escritório da Motorola e depois fizemos um segundo relatório. Quando o processo se repetiu tendo o projeto se arrastado até quase o fim de 1982, eu falei para o Osvaldo que não achava que a coisa iria andar. Não era a falta de informações que estava atrasando tudo, mas sim a falta de dinheiro. O Brasil estava no meio de uma crise financeira enorme e o orçamento do LSI estava no nível mais baixo de sua história. Nunca seria autorizada a compra do material.
Eu só via duas alternativas: ou desistir de vez do projeto ou tentar algo mais ambicioso. O Osvaldo gostou da segunda opção e fizemos a seguinte proposta para o LSI – projetar nossa própria máquina. Os preços cobrados pela Motorola eram absurdos: $3500 por uma placa com 64KB, por exemplo. Se nós projetássemos e contruíssemos uma, sairia por bem menos que $1000. Como nosso estágio não era remunerado, não existiriam custos de engenharia. O custo ficaria praticamente só o dos componentes. A grande vantagem é que o dinheiro gasto poderia ser recuperado vendendo o projeto para empresas, o que não poderia acontecer com um computador de placas compradas. A proposta foi aceita e começou o projeto do “Super Micro” (que vou descrever na parte 4) que seria financiado pela FINEP.
Caramba , eu trabalhei com os “supermicros” da SID Informatica , a linha SMX. Foi uma das épocas mais produtivas em desenvolvimento da empresa, apesar da reserva de mercado tem tornado este periodo muito controverso.
A SiD tinha duas linhas de supermicros, sendo uma delas projetadas pelo Osvaldo Cristo. Nao achei nada na Internet sobre o SMX, por isso nao posso dizer se era este o do Osvaldo.
O SMX era o projeto “nacional”. O projeto foi baseado em uma maquina da Unisys se não me engano , que nunca chegou a ser comercializada.
Maravilhoso depoimento, me fez sair caçando livros sobre o tema para eu construir meu próprio SAP e quem sabe, ter uma história para contar… Obrigado por compartilhar e você recomenda alguma literatura?
Rolou uma curiosidade em outro forum, me sugeriram perguntar aqui! 🙂
O VersaBus oferece alguma vantagem em cima do S-100, ou vice versa?
Olha o trequim que o Lisias achou dando sopa no ML: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-493349744-sbc-mvme-vme-sbs-bit3-single-board-motorola-sbs-68k-_JM
O SMX da SID foi comercializado e teve grande aceitação em médias e grandes empresas, que na ocasião não dispunham de recursos para importar tecnologia de fora, como os IBMs. Na ocasião disputavam mercado com os IS400 da Itautec.
Eram equipamentos baseados em processadores Motorola da linha 68000 com sistema SIDX 5.0 (uma UNIX reescrito) e possuia placas multi seriais com canais que comportavam, se não me engano, 15 terminais multiponto em rede RS422.
Em resumo…. Foi uma Época fantástica. Muito que aprendi nessa época, os profissionais de hoje nem fazem idéia.
Abraço a todos.