Faz algum tempo que anunciamos o lançamento do livro físico e da disponibilidade da versão digital (originalmente em PDF e agora também MOBI) do “IT’S BEHIND YOU: the making of a computer game” de Bob Pope. E, por incrível que pareça, esta será uma resenha que talvez não terá muita cara de resenha…
O autor inicia sua narrativa explicando quando ele, ainda na época do colégio, foi apresentado ao “senhor” computador, de como se tornou um operador freelancer de mainframe, seu interesse por programação, sua rápida passagem pelos TRS-80, Commodore PET, ZX-81, finalmente o ZX Spectrum e seus primeiros trabalhos profissionais como programador: (i) a conversão de software educacional de BBC Micro para o bom e velho speccy e (ii) o seu grande projeto o “The Enhancer” um extensor de recursos para o Quill Adventure System que infelizmente a Gilsoft, a dona do Quill, não se interessou muito pelo projeto (eles já tinham um equivalente e pronto para o lançamento).
Mas foram os contatos feitos por Bob na época do “The Enhancer” que resultaram no contrato para fazer o port de Rampage para ZX Spectrum e consequentemente ao mundo “glamouroso” das desenvolvedoras de jogos.
É então que começa a segunda parte do livro, onde você descobre que a versão do Rampage foi feita a partir das observações e anotações dos programadores tomadas a partir da máquina de arcade do bar que frequentavam (Código fonte? Manual oficial da Midway? Máquina de arcade para e etc).
E, logo em seguida, a razão da existência do libro, o port de R-Type! Onde Bob e mais dois programadores (Robert L. Hylands, Karl Jeffrey — todos eles terceirizados, dos terceirizados dos terceirizados, …) encarregados, durante o período de quase um ano, das versões para Atari ST, Commodore 64 e ZX-Spectrum. No caso a versão do speccy responsabilidade exclusiva dele e os demais cuidando das duas outras versões.
No decorrer das páginas você vai descobrindo tanto sobre aspectos técnicos da gênese do R-Type no ZX-Spectrum e de como as limitações (resolução de tela, color clashing, consumo de memória etc) foram contornadas — vale lembrar que o jogo roda em um modelo speccy comum com 48Kb de RAM com e um gravador cassete.
Mas também sobre os bastidores das desenvolvedoras de software na Inglaterra (e provavelmente no resto do mundo) no final da década de 1980, das resenhas “detalhadas” e “imparciais” das revistas especializadas, das condições em que os programadores trabalhavam, da informalidade, dos abusos (sinceramente só faltou ele usar o termo “cárcere” para o tratamento dado pela Activision a Dave Jolliff e Karl Jeffrey nas últimas semanas do prazo de entrega da versão do C64) e até mesmo sonegação fiscal.
Para constar algumas curiosidades:
- A versão para C64 que estava sendo desenvolvida foi cancelada pela Electric Dreams (um outro nome para falar Activision) e a tarefa repassada “para ontem” para a alemã Rainbow Arts (esta quase processada pela Activision meses antes por conta do lançamento de Katakis — um jogo, digamos que, bastante inspirado em R-Type, apensar da primeira fase lembrar Nemesis);
- A
mesma Rainbow ArtsFactor 5 cuidou, com ajuda de Bob Hylands (o responsável pelo “som” da versão do ZX) e Karl Jeffrey (do Atari ST), da versão para Amiga (o foco da Activision era o computador da Atari e não o da Commodore) — agradecimentos ao Rafael Lima de Souza pelo “momento errata do quinto elemento”; - O desenvolvimento do R-Type iniciou-se em um ZX-Spectrum 48K com unidade de microdrive — que foi substituída por um drive de disquete — passou para um Amstrad CPC6128 (irônico, não?) e terminou em um PC286 utilizando uma ferramenta híbrida de desenvolvimento (hardware e software) chamada PDS.
E já que citei o Amstrad…
Para os que criticam as conversões, a versão de Amstrad CPC foi feita por Keith A. Goodyer, usando o código fonte original da versão de Spectrum e, como bem lembrou, Bob Pope:
“(…) he did a fantastic job of taking my car-crash mess of code and turning it into a fully working game for the Amstrad. (…) and something I only found out quite recently – was that Activision had given Keith just twenty one days to do the complete conversion in order to release it at the same time as the other versions!”
Confesso que o livro é um pouco “duro” de ser lido, na minha sensação faltavam vírgulas em alguns pontos mas não é algo que desabone a leitura, que aliás eu recomendo para todos aqueles que desejam matar a curiosidade “de onde (e como) vinham os jogos de computador”.
Na resenha teve um lance que ficou mal explicado. A Eletric Dreams foi comprada pela Activision? Era empresa de faxada? Se era, qual a finalidade se ela própria publicava os jogos com o nome dela?
De acordo com o Pope nem ele sabia a resposta: “Electric Dreams was a subsidiary label of Activision owned by Rod Cousens though it was often hard to tell why some games came out on the former instead of the latter“.
O livro tem problemas sérios de revisão, mas se você sublimá-los é uma leitura ótima.