NABU: A real história a respeito dessa redescoberta.

Finalmente, na última parte dessa série, vamos explicar realmente o que aconteceu sobre como surgiu tanto computador disponível para venda.

Antes de tudo, por que o NABU não foi um sucesso? Um dos problemas está relacionado no verbete em inglês a respeito do NABU, na Wikipédia:

O serviço NABU foi disponibilizado pela primeira vez em 1983 por meio da Ottawa Cablevision e da Skyline Cablevision, graças aos esforços de John Kelly e Bruce Hempell. O projeto foi altamente subsidiado pelo governo canadense. Um dos principais pontos fracos da rede de Ottawa era a conexão estritamente unidirecional, conforme implementada na Ottawa Cablevision. O sistema NABU em si era bidirecional, mas a maioria das redes a cabo daquela época não suportava esse recurso devido ao custo necessário para uma infraestrutura de cabo bidirecional – um problema de “quem veio primeiro, a galinha ou o ovo” que limitava o potencial de mercado da NABU.

Um NABU Personal Computer em toda a sua glória: Crédito da foto: Jim Pellegrini.
Um NABU Personal Computer em toda a sua glória: Crédito da foto: James Pellegrini.

Entendeu, né? Problemas de infraestrutura, dinheiro… E foi tudo pro vinagre. Vamos à história. Antes de tudo, queria dizer que me baseei no (longo, detalhado e bem escrito) artigo da Vice, falando a respeito.

James Pellegrini é um homem aposentado, nascido em 1954 (69 anos em 2023) em Massachusetts, que começou a se interessar por microcomputadores lá no final dos anos 1970: TRS-80, revista Byte… Posteriormente ele adquiriu um microcomputador, chegou a ter um Apple II+ e decidiu que queria trabalhar com isso. Se formou em Ciência da Computação, trabalhou com programação de bancos de dados e desenvolvimento para sistemas embarcados, como alarmes contra incêndios.

Então, ele fundou a própria empresa, que trabalhava em nichos de mercado, e seu lema era: “Não bata cabeça com os caras grandes“. Em um mercado dominado por Microsoft, Intel, IBM e tantas outras empresas que davam bilhão, ele queria ganhar o seu dinheiro honestamente, fazer seus projetos, que se fossem bem sucedidos, venderiam algumas centenas de unidades.

E ele recebeu um contato da Surplus Traders, uma empresa que vendia material industrial de empresas falidas. Ele andou comprando material vendido por essa empresa, e no final dos anos 1980, teve a ideia decriar um sistema de central telefônica para pequenas empresas, usando computadores antigos como base. E um folheto da Surplus Traders caiu na sua mão, dizendo: “Venda de falência: 1.500 computadores domésticos, caixas novas e originais, itens quentes”. Juntou a fome com a vontade de comer.

Ele pediu alguns para experimentar e se apaixonou pela máquina, e no final das contas, arrematou todo o estoque da NABU em 1989. Apesar dos itens custarem novos 769 dólares cada um (2383 dólares corrigidos em 2023), ele diz que foi um ótimo negócio. E lá vieram 2200 computadores em suas respectivas caixas… O que foi um pesadelo logístico. Três caminhões lotados chegaram, foram descarregados e… Onde guardar isso tudo?

Bem, amigo é para essas coisas, e Pellegrini pediu a ajuda de um amigo e vizinho, que tinha um celeiro em sua propriedade. O que ele fez? Enfiou todas as caixas neste celeiro, sempre na expectativa de que iria desenvolver o seu projeto com os NABU. Mas aí, vem a vida, aquela bandida, e dá uns tapas na sua cara, te colocando nos eixos… Ou tirando deles. Só para vocês terem uma ideia, ele pensou em fazer jogos para o Colecovision (que tem um Z80), só que ele sabia mesmo era de 6502! Sim, ele comprou 2200 computadores de uma arquitetura que ele não conhecia muito bem.

A vida seguiu, 23 anos se passaram e nada foi feito. Os computadores armazenados pesavam cerca de 22 toneladas (Logo, cada caixa de um NABU Personal Computer pesa 10 kg), e finalmente o celeiro começou a ter problemas estruturais, entre outras coisas por causa do peso: Os itens estavam no segundo andar do celeiro! Imagina o transtorno.

E lá foi o Jim Pellegrini com seu vizinho e sua namorada para tirar tudo do segundo andar do celeiro. Cerca de 1650 NABUs ficaram no seu jardim, outros em um depósito pago. E finalmente, ele decidiu vender os NABU. Inicialmente, ele anunciou no Craigslist, a 20 dólares cada (R$ 98,40), e depois decidiu anunciar no eBay, ao preço de US$ 59,99 (R$ 295,16 no momento de redação desse artigo).

O conteúdo de uma caixa de um NABU Personal Computer. Crédito da foto: Jim Pellegrini.
O conteúdo de uma caixa de um NABU Personal Computer. Crédito da foto: James Pellegrini.

Alguns poderiam dizer que ele teria um lucro astronômico se vendesse os micros como New Old Stock, se controlasse a venda e vendesse alguns, depois outros… Sim, não foi só você que pensou isso, mas houve gente que disse isso pra ele: “Você está vendendo esses produtos muito barato, você definitivamente deveria estar recebendo mais dinheiro por eles“. Mas gente, são 2200 computadores, 22 toneladas! Ele queria se livrar desse problema. Recentemente ele subiu o preço para US$ 99,99. (R$ 491,96), mas se você quiser o adaptador de rede, ele também os anunciou por US$ 59,99. É legal para ter o conjunto completo, né?

Mas, o que fez essas vendas dispararem? Simples, foi esse vídeo aqui embaixo:

Adrian Black é um youtuber conhecido de quem ouve o Repórter Retro, sempre recomendamos os vídeos dele, que são bem interessantes e um tanto quanto longos… E ele dedicou 33 minutos ao NABU, nesse vídeo de novembro de 2022.

Bem, daí veio a explosão. Em três dias, Pellegrini vendeu 560 NABUs. Sim, um quarto do estoque se foi em TRÊS DIAS.  E aí, veio outro transtorno para ele: Quem garante que esses micros estocados ainda funcionavam? Pausa o anúncio no eBay, separa as máquinas e uma a uma, abre a caixa, liga, testa, vê se está funcionando, daí empacota e despacha. Nisso foram dois meses para acabar com a fila que se criou. Agora o ritmo de vendas diminuiu, e ele continua vendendo os micros… E aproveitou para finalmente estudar o assembly do Z80.

Mas o mais curioso é que James Pellegrini virou uma subcelebridade, o que o espantou. Depois de uma vida inteira trabalhando silenciosamente, abaixo do radar, ele de repente está recebendo muita atenção de uma comunidade muito apaixonada, o que é muito estranho para ele:

Serei conhecido como o excêntrico que manteve esses computadores e os lançou para o mundo mais de 30 anos depois“, diz ele, mas seus outros projetos nunca serão conhecidos, pelo visto: “Acho que tenho que entender que serei conhecido como o cara que tinha todos esses computadores. Esse será meu destino, minha infâmia.

Port do jogo Miner 2049er para o NABU.

Nos artigos anteriores, eu mencionei o DJ Sures, que tem trabalhado em cima do NABU, inclusive falou sobre o trabalho do RetroCanada sobre portar a BIOS do MSX para esse micro. O pai dele, Ron Sures, foi quem desenvolveu o hardware do NABU, e trabalhou junto com John Kelly, o fundador da empresa. Seus tios também trabalharam na NABU. Logo, tem uma história familiar que motiva o DJ Sures a explorar o NABU: “É um tributo à minha família“. Ele tem uma empresa de robótica, a Synthiam, mas seu lazer tem sido focado no NABU. E quatro dias depois do vídeo do Adrian Black, ele conseguiu dar boot em um NABU, que foi filmado pelo seu celular e postado no YouTube:

Aliás, sobre a empresa, tem umas histórias escabrosas na matéria da VICE (se você lê em inglês, recomendo muito a leitura) e não irei contar aqui. Mas envolve dorgas, mano.

Voltando à comunidade, como você leu nos últimos três artigos, muita coisa surgiu repentinamente. De sites como os já citados NabuNetwork e Nabu.ca (onde Sures e Binkowski estão envolvidos), tem também o NabuDC, focado em falar da rede NABU em Washington, DC… E tudo o mais que vocês já leram anteriormente.

E para finalizar, recomendo que você veja o canal do Leo Binkowski, especializado em “arqueologia do NABU” (segundo ele mesmo), que trabalha junto com o DJ Sures nesse projeto. O Binkowski trabalhou na NABU, como engenheiro de software.

Bem, esperamos que vocês tenham gostado dessa série de artigos. No futuro, teremos outros materiais, como a respeito do Commander X16, que está passando pelo nosso radar, e deveremos falar a respeito no futuro próximo. Até a próxima!

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.

Um comentário em “NABU: A real história a respeito dessa redescoberta.

  1. Excelente saga de artigos sobre o assunto.

    Realmente basta alguém com mais destaque no youtube falar a respeito, que o hype acontece.

    Agora imagino se esse estoque oculto por tantos anos, fosse de equipamentos de alguma empresa famosa por ai ( Apple / Atari, etc), imagina o valor astronomico.

    Obrigado pelas matérias.

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