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Resenha: “1984: A Febre dos Videogames Continua”

Um dos primeiros posts deste Retrocomputaria Plus foi a resenha do livro “1983: O Ano dos Videogames no Brasil” e, como não poderia deixar de ser, entramos em modo de espera ansiosa quando o autor, Marcus Garrett, anunciou a continuação “1984: A Febre dos Videogames Continua” (Edição do Autor, 2012). Espera essa que, no meu caso, se tornou ainda mais angustiante quando o próprio Marcus me contactou para enviar um exemplar do livro. Este exemplar, autografado pelo autor, ficou à espera de um momento em que eu pudesse lê-lo por inteiro, sem interrupções, tal como fiz com o livro anterior. E foi assim que surgiu a resenha que vocês lerão agora.

Resumo tl;dr: uma continuação melhor que o original, por cobrir algumas lacunas do livro anterior.

Da parte técnica, o “1984” se parece muitíssimo com o “1983”: letras grandes, muitas ilustrações, destaques para reportagens e declarações da época, só que com mais páginas – “1984” tem pouco mais de 150 páginas, ao contrário das pouco mais de 100 de “1983”.

(Novamente, a observação: tempos esquisitos estes que vivemos, em que é necessário perder um bom pedaço de um capítulo dizendo que não há intenção de ferir direitos autorais de terceiros, quase eclipsando o esforço hercúleo de conversão de preços feita pelo autor)

O prefácio serve a dois objetivos: explicar as motivações para a continuação do livro anterior e anunciar a mudança da estrutura lógica do livro, com apenas um grande capítulo entremeando todas as histórias a serem contadas – com exceção de uma.

Este grande capítulo, chamado de “De janeiro a dezembro: a jornada ‘gamística’ de 1984” começa tapando a grande lacuna que achei no livro anterior, a falta de informações sobre a situação econômica do Brasil de 1984. As informações sobre a realidade econômica da época, certamente, ajudará os leitores a terem uma visão mais completa de determinadas decisões governamentais e/ou empresariais, no contexto dos dois livros.

Depois de tanta pedreira, o leitor é inundado com informações sobre o absoluto sucesso dos videogames no Brasil – números, repito, extraordinários no contexto do diminuto mercado consumidor brasileiro da primeira metade dos anos 80.

Saindo da economia, somos brindados com páginas deliciosas sobre o ecossistema criado em torno dos videogames no Brasil: as promoções envolvendo videogames de empresas com produtos voltados para crianças e adolescentes, os campeonatos de videogames patrocinados por lojas de departamento (para os mais novos: sim, havia um tempo em que existiam lojas de departamento no Brasil), os clubes e locadoras de videogames, empreendimentos essenciais na difusão dos videogames e na criação de uma geração de jogadores e que, no final, acabaram “determinando” o sucesso e/ou o fracasso comercial das linhas de videogames no Brasil. Enfim, tem até uma capa da MAD in Brazil clássica sobre videogames.

E aí entramos no cerne do capítulo, as empresas. Polyvox, Philips, Dynacom, Milmar, Microdigital, CCE, Digiplay/Sharp, Dismac, Splice e outras, com seus lançamentos, estratégias de mercado e idas e vindas num mercado instável e aberto. Algumas observações:

  • A maioria das empresas citadas produziram clones de Atari; é interessante observar que Marcus se preocupou em mostrar as inovações de cada clone, o que os tiravam da mesmice (o Dactar 007 da Milmar, o botão de PAUSE e a misteriosa porta de expansão do Onyx Júnior).
  • Na parte de Digiplay, uma passagem sobre o que era lidar com a CACEX, órgão governamental que controlava as importações, e como se criavam números para manter o FMI feliz.
  • Na parte da Splice, uma aula – ministrada por um ex-funcionário da empresa – de como uma empresa que era da área de telefonia e, portanto, não conhecia os meandros do mercado de consumo eletrônico destruiu as chances do SpliceVision no mercado com decisões estapafúrdias de, por exemplo, não aceitar os módulos de expansão do Colecovision.
  • E, claro, o que não se materializou: diversos clones de Atari anunciados mas nunca postos à venda; The Voice, o sintetizador de voz do Odyssey, fabricado pela Dynacom para a Philips cancelado pelo alto custo; o Onyx, o clone de Coleco da Microdigital que também foi cancelado pelo alto custo da linha.

Voltamos às proximidades da economia, e por um bom motivo: o Natal de 1984, em que a demanda pelos videogames excedeu em muito a oferta dos fabricantes. Números incríveis: 250 mil unidades vendidas no Natal (que, no Brasil de 1984, era sensacional); cálculos de mais de 50% de aumento nas vendas em relação ao Natal de 1983; e por aí vai.

Depois deste breve interregno econômico, Marcus se dedicou aos periféricos, e começou com os famosos teclados para Atari; para quem não se lembra, os teclados para Atari eram teclados que, ligados ao VCS por um cartucho, forneciam RAM e ROM para programação e execução de pequenos programas e de música. Não era possível nada extraordinário, até pelas limitações do próprio Atari 2600 (a começar pelo 6507); no entanto, o conjunto videogame+teclado era bem mais barato que um computador “de verdade” e não era tão mais fraco que os computadores pessoais vendidos no Brasil em 1984. Imagino que muita gente começou suas aventuras na computação com estes teclados de Atari – aliás, se você for um deles, se apresente nos comentários 🙂

Outro periférico extremamente popular nos Atari brasileiros, e que ganhou um espaço próprio, foi a interface serial para carregamento de jogos em cassete. A ideia é simples (um cartucho Atari que pudesse ser ligado a um toca-fitas normal e que permitisse o carregamento de jogos gravados em cassete num formato predeterminado) e o custo é baixo, particularmente dos cassetes com jogos, que chegavam a ser 20% do preço de um cartucho ‘normal’; não por acaso, foram um grande sucesso.

E, na minha opinião, a melhor parte de todo o livro: a citação ao Telegame. O Telegame era um serviço da Embracom Eletrônica, de tecnologia nacional, de carregamento de jogos de Atari por telefone: você inseria o cartucho, fazia todas as ligações necessárias entre o cartucho e o telefone, ligava o Atari, ligava para a central do Telegame, pedia o jogo para a atendente, colocava o cartucho no modo REC, esperava pelo download (4K a, sei lá, 300bps) e pelo jogo ser gravado na memória do cartucho, colocava o cartucho em modo TEL quando acabasse, jogava até cansar e, quando quisesse jogar um jogo novo, bastava desligar e religar o Atari. Absolutamente engenhoso e, como vocês puderam observar, uma espécie de “trisavô” do Steam 🙂

(Lembrando que o Telegame é de 1985/1986, mas acabou sendo citado neste livro por ser, talvez, o periférico mais inusitado lançado para Atari no Brasil)

Neste momento, vamos ao segundo capítulo, a história não contada no primeiro capítulo: a história do quase lendário cartucho da Turma da Mônica, para Atari e Odyssey, que nunca saiu. Apoiado em uma entrevista com quem quase trabalhou no projeto, pudemos ter uma visão de como não havia como conciliar os desejos do Maurício de Sousa e a tecnologia da época.

O último capítulo do livro é o posfácio, que já começa cortando os corações de todos, com o Marcus anunciando que não escreverá sobre os anos posteriores; por causa disso, este capítulo se dedicou a narrar o fim da era dos videogames de primeira geração no Brasil, atacados tanto pelos diversos lançamentos de computadores pessoais de 1985 (MSX, TK 90X/95, CP-400 Color) quanto pelos videogames de segunda geração, surgidos da cinza do crash dos videogames de 1984. Isto não impediu Marcus de observar que, até o início dos anos 90, ainda era possível comprar Ataris no Brasil.

Para terminar, as minhas observações sobre o livro:

  • Marcus, ao falar do crash dos videogames de 1984, lá no início do livro, não citou Jack Tramiel – figura essencial para entender porque se iniciou a guerra de preços entre computadores pessoais que gerou o crash.
  • Marcus não notou uma fina ironia das coisas: a Digiplay, depois de abandonar o Intellivision, virou Epcom, que, com o Hotbit, ajudou a “virar o jogo” em 1985/1986.

No final, uma obra, em geral, ainda mais fantástica que sua antecessora. E que, também, deve ser item obrigatório em qualquer biblioteca de interessados em videogames clássicos e, porque não, retrocomputação.

Os interessados em comprar o livro podem visitar o Memória do Videogame, onde o Marcus, além da lojinha, está com material bem bacana (p.ex. os comerciais da Polyvox de lançamento do Atari no Brasil.)

(Mais uma vez, agradecimentos eternos ao Marcus Garrett pelo livro E pelo autógrafo. Este exemplar tem um lugar especial na minha biblioteca.)

“1984: A Febre dos Videogames Continua”

Falamos em alguns episódios nossos sobre o livro “1983: O Ano Dos Videogames no Brasil”, de autoria do Marcus Garrett, e inclusive o Cesar Cardoso fez uma resenha sobre esse livro aqui no Retrocomputaria Plus, logo no início desse blog.

Pois então, o próprio Garrett mandou-nos um email anunciando o lançamento da continuação, intitulada “1984: A Febre dos Videogames Continua”. Você pode ler melhor a respeito no post que o Orákio colocou no GagaGames, mas já adiantamos que o livro, como o nome indica, será uma continuação onde o anterior parou: Ele tratará de várias coisas que passaram por alto no primeiro livro, como as negociações para o lançamento de um jogo da Turma da Mônica. Sim, é imperdível, e eu vou comprar um. O Marcus Garrett inclusive soube que iríamos noticiar o anúncio do livro, e ele mesmo nos remeteu uma cópia do prefácio do livro. Está magnífico, mas não, não podemos por o PDF aqui para download (a pedido do autor).

A ideia é que o livro seja lançado por volta do dia 20 de março de 2012, e deve ter o mesmo custo e tamanho que o seu antecessor. É possível que o nosso amigo Moacyr Alves (Jogo Justoque entrevistamos no episódio 15 sobre coleções, promova o lançamento no Game World 2012, no stand da AciGames.

O processo normal de vendas deverá ser da mesma forma que o anterior: Mande um email para o Garrett em [email protected] dizendo que quer o livro e passando seu endereço a ele. Ou então, participando da promoção que faremos aqui no Retrocomputaria, já que o próprio autor disse-nos que enviará 2 exemplares do livro a serem sorteados entre os ouvintes/leitores do nosso podcast/blog. Aguardem e confiem.

Resenha: “1983, o ano dos videogames no Brasil”

Nós evitamos falar de videogames clássicos no Retrocomputaria, embora isto não signifique que não nos interessemos por eles. Por isso, na primeira oportunidade que tive (leia-se MSX Jaú 2011), comprei o livro “1983: o ano dos videogames no Brasil” (Edição por Demanda, 2011), já citado pelo Ricardo em episódios do podcast.

Resumo tl;dr: um excelente livro para os interessados em videogames e eletrônica de consumo, apesar de alguns reparos e algumas lacunas na parte analítica – boa parte, assumo, de coisas que só devem incomodar a mim.

Poucas pessoas que não estavam diretamente envolvidas com o mercado da época tem mais bagagem que o autor, Marcus Garrett (entre outras coisas, fundador do clube Canal 3 e da revista eletrônica Jogos 80), para escrever o livro; com seu conhecimento da área e seu rigor de biblioteconomista, condensou num livro pequeno (pouco mais de 100 páginas) e de fácil leitura (letras grandes e muitas imagens) um grande número de dados, todos devidamente catalogados, com destaque para revistas cujas editoras já faliram.

(Uma observação: tempos esquisitos estes que vivemos, em que é necessário perder um bom pedaço de um capítulo dizendo que não há intenção de ferir direitos autorais de terceiros, quase eclipsando o esforço hercúleo de conversão de preços feita pelo autor)

O segundo capítulo do livro, e o primeiro que analisaremos, tenta dar uma ideia do cenário econômico do Brasil de 1983. Aqui se concentram minhas diferenças em relação ao caminho trilhado pelo autor:

  • achei que faltaram informações sobre o estado caótico das contas externas da economia brasileira (justo num dos piores anos da crise da dívida dos anos 80!) e sobram citações à Reserva de Mercado, uma política que apenas em um caso (a impossibilidade da Philips de usar a plenitude do teclado do Odyssey) afetou um setor (e aí falando da eletrônica de consumo em geral, não apenas dos videogames) que, certamente, não era visto como de “importância para a segurança nacional” pelos militares. Mesmo o ato da SEI de outubro de 1982, proibindo a remessa de royalties sobre importação de software, é mais um dos atos desesperados para evitar a saída de dólares do que propriamente uma política de reserva;
  • sobre a importância do contrabando e dos empreendedores (que se aproveitaram de brechas na lei e do “jeitinho brasileiro” para empreender) para a formação do mercado de videogames no Brasil: é natural que, numa situação desesperadora como a do início dos anos 80, o grande empresariado se tornasse refratário à entrada em mercados desconhecidos, que exigiam um grande investimento de capital e tinham um retorno questionável – basta ver que o primeiro estudo patrocinado por uma grande empresa para sancionar a existência de um mercado de videogames foi feito pela Gradiente, em 1983.

O terceiro capítulo fala da “era que antecedeu os cartuchos” – Telejogo, relógios com jogo da Casio, “joguinhos de mão” (Game&Watch) da Nintendo, um capítulo correto. Depois desse capítulo, entramos no centro do livro.

Começamos pelo Atari 2600, que foi o grande líder do mercado brasileiro. Achei bem interessante a citação aos empreendedores, como a Atari Eletrônica em hardware e ao Canal 3 (nada a ver com o clube) e Dynacom, em cartuchos. Mas acho que o mais interessante, mesmo, é como Marcus conseguiu visualizar que não apenas o anúncio da vinda oficial da Atari via Gradiente/Polyvox mas também os tropeços da produção inicial e os atrasos do lançamento (um estudo de caso dos problemas de se fabricar com baixo índice de nacionalização em situações cambiais adversas) ajudou a fortalecer um mercado de clones, com nomes grandes da época (CCE, Dismac) e pequenas empresas que se tornaram nomes conhecidos (Dynacom, Milmar).

Depois, o Odyssey, da Philips (embora tenha chegado primeiro por uma pequena empresa chamada Planil, importando o videogame e embalando aqui); o autor entendeu corretamente que a Philips aproveitou bem a vantagem de ser o first mover no mercado nacional de massa (leia-se com entrada nos grandes magazines), entre abril e outubro, mas faltou um pouco de informações sobre a empresa não ter mudado sua estratégia quando a blitz de marketing da Gradiente/Polyvox inundou o mercado brasileiro de Atari.

O próximo é o Intellivision, trazido pela Mattel em parceria com a Sharp do Brasil (que, na época, era do grupo Machline, que usava o nome sob licença da Sharp japonesa) na joint-venture Digimed, depois Digiplay. Senti falta de informações sobre os atrasos na produção, que por pouco não fizeram a Digimed perder o Natal de 1983, mas pelo menos teve citação à TV POW!

E o último da lista é o Colecovision, o único não bancado por um grande player da eletrônica de consumo nacional da época (e que, portanto, acabou praticamente desconhecido no Brasil). A história da falha da CBS (detentora dos direitos do Colecovision onde a Coleco não atuava) em conseguir um parceiro nacional merece ser melhor contada.

Para fechar o livro, um capítulo sobre o Natal de 1983, o “Natal dos videogames”. Um capítulo pequeno para uma grande história, de como os videogames salvaram um dos natais mais trágicos de um dos anos mais trágicos da “década perdida”.

No final, apesar dos escorregões, um livro delicioso de se ler e que deve ser item obrigatório em qualquer biblioteca de interessados em videogames clássicos e, porque não, retrocomputação.