Quinta do pitaco parte 1: Nishi ataca outra vez.

Antes que você se pergunte o que está acontecendo, é que o texto ficou tão grande que eu decidi dividir ele em três partes, a sair em dias seguidos, como uma novela diária. Entào, o assunto não acaba aqui, mas continua. E o assunto é… Esse japonês sessentão aí do lado. Kazuhiko Nishi, o “pai do MSX”, paixão e ódio de um monte de gente, e dono de um poço de ideias mirabolantes que fazem inveja a muita gente que comenta aqui no nosso site.

Enquanto todo mundo está assustado com a Microsoft comprando a Activision por US$ 68,7 bilhões, a comunidade MSXzeira está em polvorosa com as manifestações recentes desse homem.

No post de hoje, vou lançar as bases fundamentais (uau) para a minha argumentação. No próximo, vamos falar do que foi relatado. E no último, a análise e opinião.

Kazuhiko Nishi é japonês, nascido em 18/02/1956 em Kobe, Japão. Seu pai era dono de uma escola, e ele começou a cursar Engenharia Mecânica na Universidade de Waseda. Mas ele largou tudo para fundar uma empresa (a ASCII) em 1977, e uma revista relacionada a computadores, a ASCII Magazine. A efervescência dos anos 1970 somados ao espírito empreendedor dele fizeram a empresa dele partir para traduções de jogos (o primeiro foi o Wizardry para o japonês), publicação de revistas e posteriormente, o licenciamento do Microsoft BASIC para o mercado japonês.

Em 1978, Nishi conheceu Bill Gates nos EUA, e o contrato foi firmado. Ele passou a fazer parte também do quadro de diretores da Micro-soft (era assim na época), e sua empresa representava a “pequena mole” na Terra do Sol Nascente.Ele também participou da especificação do computador NEC PC-8001 e do Kyocera 85, que nos EUA foi vendido pela Tandy como o TRS-80 Model 100 (maiores informações nesse post aqui e no episódio 107B).

Aí veio o MSX em 1983, a Microsoft caiu fora do padrão em 1986, a ASCII segurou as pontas até 1994, e em 1996 a empresa quase quebrou, sendo socorrida pelo IBJ, um banco estatal japonês. Em 2004 a ASCII foi incorporada à Kadokawa Group Holdings e virou uma subsidiária em 2008. Maiores detalhes podem ser vistos no verbete sobre a ASCII Corporation na Wikipédia (inglês).

  • Logo, lembremos, Kazuhiko Nishi não é um projetista de hardware, não é um programador ou desenvolvedor, ou DevOps (pra ficar nas buzzwords da moda). Bill Gates, seu sócio na empreitada do padrão MSX até 1986, é mais próximo ao desenvolvimento do que ele. Lembre-se que o Tio Bill participou da programação de vários sistemas, e seu último trabalho foi a BIOS do Epson HX-20.
  • Uma coisa que é inegável é que Kazuhiko Nishi é um negociador de mão cheia. Não podemos negar que é um feito imenso ele convencer mais de 20 empresas japonesas a investirem num padrão de microcomputadores onde todos fossem compatíveis entre si. Alguns dirão que o padrão IBM-PC é isso hoje em dia. Sim, é, mas naquela época isto é algo inédito. Gostem ou não, convencer empresas como Panasonic, Sony, Hitachi, Yamaha, Toshiba e tantas outras a fazerem um padrão de computadores que o software e o hardware de um servia no outro… É pra se bater palmas. O 3DO foi uma tentativa no mesmo caminho nos anos 1990, teve muito menos empresas e fracassou de forma espetacular. Se você quiser saber mais sobre o 3DO, recomendamos esse vídeo do canal Aperte Start, que você pode ver clicando aqui.
  • Kazuhiko Nishi também é BEM controverso, e sim, pra mim ele é megalomaníaco. Não me entenda mal: Muitos empresários partem desse rótulo e sem se preocuparem com isso, continuam. A sorte favorece aos ousados, mas nem todos – ela favorece os ousados e os sortudos. A grande maioria tropeça e cai pelo pelo caminho. E é por essas e outras que eu jamais seria empresário… No caso do Nishi, pelo menos ele tentou. Mas a história da MSX Dinosaur Land pegou muito mal com os sócios – no caso, Bill Gates (fonte: MSX.org). Diz Javier Lavandeira que isto foi a gota d’água para a Microsoft abandonar o padrão MSX (blog pessoal, recuperado do Internet Archive).
  • A visão de Nishi para o padrão MSX era de um equipamento ubíquo: Você teria MSX embutido na sua TV, na sua geladeira, no forno de microondas e nas paredes da sua casa. Tudo seria interligado. Talvez uma proto Internet das Coisas (IoT, pra ficar na sigla).
  • O MSX 3 nunca existiu, até agora. O MSX Turbo-R não é um MSX 3. Para ser um MSX 3, teria que ter uma mudança drástica em dois dos três pontos principais: Processador, vídeo e som. O Turbo-R não é um MSX 3 porque ele teve um processador novo, o R800 (aleluia), mas o vídeo é o do MSX 2+. Isso foi dito pelo Piter Punk nos episódios 120 e 121 do nosso podcast, com base na pesquisa que ele fez nas revistas e livros da época.
  • Vale lembrar que o próprio Nishi não é uma fonte lá muito confiável sobre a história… Basta ver quantas versões já foram ditas por ele para o significado da sigla MSX:
  1. Machine with Software eXchangeability.
  2. Matsushita Sony X-power.
  3. MicroSoft eXtended.
  4. Alguma relação com um míssil intercontinental, o MX (o LGM-118 Peacekeeper), feito nos EUA.

Eu tenho a teoria de que o nome MSX tem a ver com a sonoridade das palavras. Japoneses se prendem muito ao som da palavra, muito mais do que nós, ocidentais. Logo, a palavra soava bem, e eles pegaram a sigla. Bem, na Wikipédia em inglês, no verbete MSX, eles tratam melhor a respeito disso.

Outra coisa que eu sei é o que eu conversei com o sr. Milton Scorza, então diretor de marketing da Sharp do Brasil. Disse-me ele numa conversa que tivemos pessoalmente, alguns anos atrás:

Esse japonês, o Nishi… Rapazes, ele é maluco. Vocês acreditam que a gente pegava um avião, saía daqui do Brasil para Nova York, para uma reunião com ele para licenciarmos o padrão MSX… E sem mais nem menos ele levantava e saía da reunião? E a gente tinha que ir correndo atrás daquele japonês maluco. Olha, foi difícil, ele complicou tudo. Acredito que o pessoal da Gradiente teve os mesmos problemas que nós.

Bem, vamos lembrar algumas coisas a respeito do estudo da História, enquanto ciência:

  • O processo de estudo da história permite que hajam lacunas e diferentes fontes. Eu sei que alguns dirão que tem nem 40 anos que isso aconteceu, ele deveria ter uma memória mais apurada a respeito. Mas isto está muito longe do fato. O processo de um historiador é procurar algo que se aproxima da verdade, mas pode não ser a verdade de forma categórica. Ou seja, podem haver lacunas, pontos de vista diferentes ou formas distintas de contar a história. Vamos supor que você passou por um acontecimento qualquer com uma pessoa. Pode ser qualquer coisa. Experimente pedir a ela para narrar o fato. Depois você faz a narração do mesmo fato. Haverão lacunas, enfoques e posições diferentes, com certeza. Os relatos nunca serão exatamente iguais. Mesma coisa com o Nishi.
  • Nishi não é um historiador ou um apaixonado pelo padrão MSX. Logo, ele não tem obrigação de guardar na memória quantos parafusos são necessários para fechar um MSX do tipo “monobloco”, com teclado integrado ao gabinete (e eu aviso que na maioria dos casos são 6 parafusos). O que eu quero dizer é que o MSX é um negócio, um trabalho, uma fonte de renda… E não necessariamente uma paixão. O povo apaixonado reconhece um problema de um micro pelo zunido que ele faz. Não é o caso do Nishi, um executivo por trás da viabilização do padrão MSX. Quando gravamos o episódio 73, com Cláudio Cassens, (ex-Microdigital), ele nos disse que certamente haveriam coisas que ele não lembraria no seu relato, que certamente teriam muitas lacunas… Mas no nosso caso fomos agraciados com um relato completo com muita informação. Ele lembrou de mais coisas que ele mesmo esperava.
  • Agora, sendo pessoal, queria falar uma frase a todos os críticos… A “sua” verdade, de que eles deveriam ter feito isso ou aquilo, de forma diferente… Ou que você não se conforma com as atitudes que foram tomadas na época, que a empresa X ou Y deveria ter admitido que errou… Isso muda NADA no passado. De novo aquele papo furado de autocrítica? Ah, vá… Gente, as empresas não erram. As pessoas, que dirigem empresas, elas sim erram um bocado. E é muito comum para mim ler, ver e ouvir gente que acha que as empresas deveriam ter feito isso ou aquilo, diferente do que fizeram. Ou pior, tem gente que, baseado única e exclusivamente em sua própria convicção, acha que o Nishi (ou qualquer outra pessoa que trabalhou com o MSX) está MENTINDO. Bem, na minha terra (chamada Brasil), quem acusa tem o ônus da prova. Então prove. Do contrário, é apenas a sua opinião, a sua convicção, que tem o mesmo valor que esse item aqui. E até onde sei, convicção não condena ninguém (se bem que no Brasil…). É fácil ser engenheiro de obra pronta. E como tenho visto gente assim nos últimos anos… Só ler outras quintas do pitaco, como essas aqui, aqui e aqui.

Como eu já ouvi em comunidade por aí:

Mas eu não consigo conceber que a Gradiente não focou no mercado SOHO com o MSX, licenciando o CP/M, lançando seu disk-drive e fazendo com que o MSX fosse uma máquina usada por empresas! Para mim isto é inconcebível! Eles erraram, tinham que ter feito isto que eu disse!

A essa pessoa, eu já falei e repeti:

Você não era executivo da Gradiente, você tinha conhecimento nenhum do mercado. É a sua percepção do que era os anos 1980, olhando com o olhar dos anos 2010. A chance de dar errado é imensa, então nem tenta.

Adiantou nada. Continuam na mesma ladainha. Claro que tivemos a entrevista com Oscar Julio Burd no episódio 87, que alguns dizem que ele mentiu abertamente. Perguntamos a esta pessoa sobre quais pontos ele mentiu e quais provas ele tem para corroborar suas afirmações. Não obtivemos resposta até hoje, e continuamos aguardando as provas (não convicções) junto com o texto refutando as afirmações ditas mentirosas.

Mas voltemos ao Nishi… Amanhã. Por hoje está bom. Chega.

 

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.

4 pensou em “Quinta do pitaco parte 1: Nishi ataca outra vez.

  1. Oi Ricardo,

    Bem legal esta parte do artigo.

    > O MSX 3 nunca existiu, até agora. O MSX Turbo-R não é um MSX 3. Para ser um MSX 3, teria que ter ….

    Eu resolveria a questão da seguinte forma:

    Para ser um MSX 3 o computador tem de ser um produto reconhecido oficialmente com MSX 3 no nome.

    Simples assim.

    MSX Turbo R é um MSX… Turbo R.

  2. Se fosse aquele “M” de donalds (príncipe em NY) imagino que não precise explicitar.

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