Alagados, trenchtown…

Há algum tempo mostrei aqui o unboxing de um sobrevivente do tsunami que assolou o Japão em 2011. É um JVC HC-80, um MSX 2 que adquiri, e que estava em estado lastimável. Chamei-o de sobrevivente do tsunami pelo estado avançado de ferrugem que eu vi. Então, eu resolvi abrir a máquina, e documentei tudo. As cenas são fortes.

Como vocês sabem, esses micros clássicos são campeões mundiais em acumulação de parafusos. Para fechar o micro, são 8 parafusos de diferentes tamanhos, e a tampinha da lata de achocolatado que está ali do lado tem um propósito: agrupar os parafusos. Comecei a abrir a máquina, e de cara, tive essa visão.

Se você preferir, clique na foto e veja com detalhes a imundície que estava dentro do micro. Havia muita sujeira na base, abaixo do teclado (que é outro pavor de se desmontar, mas falo dele lá embaixo). Note que a fonte de alimentação (acima, à esquerda) tem manchas de ferrugem, e o teclado está muito sujo. Impressionante é que o micro ainda funciona.

Se você reparar na foto abaixo, você verá manchas de ferrugem por toda a parte. Note que esta foto foi do unboxing.

No conector da porta de impressora, o parafuso que faz o terra, o conector SCART… Se você reparar BEM, verá que na grade traseira, a cor está quase igual à da minha mesa, ou seja, bege. É ferrugem. Bem, voltemos ao processo de abertura. Mais alguns (muitos) parafusos, e separei todas as partes. Vamos ver como está a carcaça de plástico.

Acho que para vocês verem melhor, terão que clicar na imagem e usar o zoom. A blindagem de RF ainda está lá, com uma película plástica preta sobre ela. A parte de cima foi lavada com água e sabão de coco, a parte de baixo deu mais trabalho. Falando em blindagem, vamos ver como ela está…

Agora você pode ver a ferrugem em toda a sua plenitude… Ferruginosa. As grades e a bandeja da blindagem de RF estão cheias de ferrugem. E a parte de baixo do gabinete de plástico está bem manchado. Fora os parafusos. No caso deles…

Fui eu para a Internet pesquisar, e a melhor solução caseira para tirar manchas de ferrugem foi um pote de margarina, vinagre, suco de limão e fermento em pó. Como vocês podem ver, não foram todos os parafusos que eu resolvi tirar a ferrugem. Fiz isso nas aletas que seguram o cabo de impressora (as mesmas que me disseram para jogar fora), o parafuso do terra e outros. A reação foi melhor do que eu esperava, mas ainda deixei um tempo imerso na solução. Voltemos à blindagem…

Lixei os pontos com ferrugem. Usei lixa de ferro 180. Depois apliquei um produto para converter a ferrugem. Deixei um tempo exposto. Eles falam em 5 horas, mas eu não tinha esse tempo todo e… Ei, isso é a blindagem, não é o gabinete. Então lavei, lixei de novo (lixa de ferro 320), apliquei novamente o produto… E limpei de novo. O chato é lixar em todos os cantos, e tinha ferrugem em todo o lado, inclusive na dobra da blindagem. Foi um saco.

Enquanto a peça “descansava” e eu pensava no que fazer com ela, voltei-me para a placa-mãe:

O correto seria lavar a placa com água e sabão de coco. Mas eu preferi não arriscar, pois achei 2 fios soldados na placa-mãe, e que iam de um ponto a outro. Gambiarra da JVC? Não sei, mas queria o micro funcionando no final do dia. Se você ampliar a foto, vai ver. Então limpei-a com pincel, e depois apliquei limpa-contatos (LC 150, a propósito). Ainda usei um pouco de álcool isopropílico. A placa já mudou de cor.

E depois que lixei as partes metálicas, tentei remover as manchas de ferrugem das partes plásticas, com vinagre e suco de limão. Mas não consegui muita coisa. Logo, lavei e sequei as partes plásticas do gabinete… Vamos à pintura. Bem, eu sou uma negação com pintura, mas como seria a parte interior do micro (a parte exterior seria lavada e teria uma aplicação de vaselina), então pintei com spray e resolvi ser feliz, conforme você vê abaixo:

Nesse processo, foram pintadas a fonte de alimentação,o fundo do gabinete de plástico, a blindagem, etc. Como podem ver, pintura não é o meu forte. Mas como era para ficar dentro do gabinete, não me preocupei com coisas como tinta escorrendo ou diferenças na coloração. Mas dessa vez melhorei um pouquinho no manejo do spray. Ainda bem que a maioria dos MSX que eu tenho são micros com gabinetes plásticos e em bom estado, então não preciso “pintar o sete”.

Ah, a fonte foi um caso à parte. Queria eu pintar a caixa metálica da fonte, mas não consegui soltar o cabo de força da caixa. Então, envolvi a placa da fonte num saco plástico, amarrei bem… E pintei a caixa. Só não ficou melhor porque eu cometi o erro de não envolver o cabo de força com fita crepe. Poderia ter ficado melhor.

Feito tudo isto, deixemos secar. No dia seguinte, remonto todo o micro, numa situação bem melhor. Limpei todos os conectores externos da placa com álcool isopropílico. Os parafusos de molho na solução estavam bem melhores, e alguns ainda dei uma lixada.

O micro ainda deu umas travadas, e um telefonema para o André Tavares me deu a dica mágica: Remova as EPROMs e recoloque-as. Dito e feito, funcionou.

Aí vamos para o teclado. O dito cujo, como vocês podem ver, é uma placa fechada por 18 parafusos, e uma peça composta por esses botões aí de baixo para fazer o contato:

Como vocês podem ver, a fonte pintada já está no seu local. Desmontei o teclado (18 parafusos!), limpei a placa com limpa-contato, mas 2 teclas (A e F) estavam falhando. Além disso, o LED que sinaliza o uso da tecla CODE (usada para escrever em japonês) estava quebrado. Resolvi tirar as borrachas para limpeza. Tirei-as. Ela é uma peça de silicone, com um carvão dentro para fazer o contato.

O problema é: E como eu encaixo isso de volta no lugar? Tentei algumas gambiarras, sem sucesso. Acabei rasgando a peça de silicone da letra A. Mas logo a A? Pois é. E como eu encaixo o F? Depois de um pouco de conversa com alguns fudebas, o mestre MSXzeiro Leonard Oliveira, de Brasília, me esclareceu: Este botão é exatamente igual ao botão de reset do Mega-Drive, ou ao botão de pausa do Master System III. Ele me ajudou via Hangout, e o princípio é esse aí embaixo (guardei a imagem que ele me mandou para não esquecer, e ajudar quem precise no futuro): chaveA caixa plástica tem abas nas pontas, que você deve levantar um pouquinho para entrar com a peça de silicone, e depois abaixar de volta. Problema da tecla F resolvida… E a tecla A?

Aí entra em cena Sander Souza e Marcio Lima. Dessoldamos a tecla CODE e soldamos no lugar do A. No lugar do CODE, foi soldado um microswitch, e com uma borracha, preenchido o espaço da tecla para pressionar o microswitch. Ficou engraçado, o som do CODE sendo pressionado. O LED quebrado foi limado para encaixar na cavidade, e foi escolhido um LED amarelo (por quê amarelo? Porque eu caguei). Ainda, ao remontar o teclado, por algumas vezes o maldito flat frágil resolveu romper os fios, então pára, testa, desmonta e faz uma ponte com solda, até tudo estar resolvido. Ainda me sugeriram colocar soquete torneado, trocar os soquetes da placa-mãe… Mas não, vai ficar desse jeito.

Conclusões a que chego:

  1. Micros antigos são mais resistentes do que muitos de nós imaginam.
  2. Como pintor, eu sou um bom professor de matemática.
  3. Aprendi muito sobre limpeza de micros… O problema é que eu comecei com o que estava em pior estado.
  4. Use lixa d’água. Lixa de ferro não é a peça mais adequada.
  5. Olha, ficou muito bom! Bateu um orgulho do estado atual do micro.
  6. Quem tem amigos, nunca morre pagão. Obrigado André, Leonard, Sander e Marcio pela ajuda.
  7. E nunca mais eu abro esse JVC. Chega! Mas vou ficar devendo uma foto dele limpo para vocês.

Espero que este longo relato seja útil para algum processo seu de manutenção e restauração. E se você resistiu bravamente até aqui, é porque você quer o link para o álbum de fotos. Então clique aqui e seja feliz, tem mais algumas fotos de todo o processo. Divirta-se!

PS: Num dos blogs que eu pesquisei, a autora fala em uma outra mistura (que não o retr0bright) para retirar o amarelado de plástico ABS. Informar-me-ei a respeito e contarei a vocês.

Sobre Ricardo Pinheiro

Ricardo Jurczyk Pinheiro é uma das mentes em baixa resolução que compõem o Governo de Retrópolis. Editor do podcast, rabiscador não profissional e usuário apaixonado, fiel e monogâmico do mais mágico dos microcomputadores, o Eme Esse Xis.